sexta-feira, 18 de abril de 2008

Max Gehringer: o novo Carequinha.


Talvez ninguém se lembre de George Savalla Gomes, mas, todos, pelo menos todos da minha geração, lembram-se do Palhaço Carequinha, “alter ego” de Savalla. Carequinha, nascido Savalla em 1915, foi, sem dúvida, o palhaço mais famoso do Brasil durante várias gerações. E foi tão importante num país onde artistas circenses eram verdadeiras celebridades que, graças as suas apresentações no Palácio do Catete para Getúlio Vargas e, posteriormente, no Palácio da Esplanada para, desde JK, até os consecutivos Presidentes Militares, era denominado “o palhaço dos Presidentes”.

Havia uma razão para Carequinha ser o preferido do poder. Num Brasil em vias de desenvolvimento industrial, ele tornou-se não apenas um símbolo da relação do governo com as camadas populares, das quais Carequinha era uma representação estandardizada, mas, também num referencial ético para essas mesmas camadas.

Era um Brasil muitíssimo diferente. Hoje, parece difícil acreditar que um palhaço pudesse cumprir o papel de referencial ético, mas, numa época em que a televisão estava muito longe de se transformar na realidade imperiosa da comunicação de massas, era o circo que, de cidade em cidade, com seus esquetes, reforçava ou reprimia, muitas vezes usando o humor, os comportamentos sociais – como faz agora a televisão.

A fim de reforçar a educação moral da infância da época – que se transformaria nos trabalhadores industriais dos anos seguintes – Carequinha emplacou o seu grande “Hit”: “O bom menino” (1962). A lógica da aliança entre Carequinha e o governo funcionava, mais ou menos, assim: o governo prestigiava Carequinha, recebendo-o no Palácio; o prestígio se transformava, para o povo, em autoridade; Carequinha usava a autoridade para aconselhar moralmente o povo, o que era muito bem visto pelo governo; ... que, por isso mesmo, reforçava o prestígio de Carequinha... Era um círculo vicioso.

“O bom menino não faz pipi na cama / o bom menino não faz mal-criação / o bom menino vai sempre à escola e na escola aprende sempre a lição. O bom menino respeita os mais velhos / o bom menino não bate na irmãzinha / Papai do Céu protege o bom menino / que obedece sempre, sempre a mamãezinha”.

Era tudo que os governos – de Getúlio aos Militares – sempre sonharam! Um país de “bons meninos...”

Há dois anos atrás, no dia 05.04, aos noventa anos, Savalla faleceu... e com ele, obviamente, deixou de existir o Palhaço Carequinha.

Os meninos, bons e “maus”, cresceram: viraram, enfim, trabalhadores. Ainda é preciso impor-lhes um referencial ético. O Brasil mudou, industrializou-se... até no campo. A televisão transformou-se nesse fenômeno de massificação de costumes. Neste contexto, um palhaço – pelo menos dos convencionais – não seria mais eficiente para o cumprimento de tão difícil missão: surge então Max Gehringer.


Retirando seu prestígio das profundezas da “mídia”, Max Gehringer é o Carequinha da era pós-industrial!

Com “ensinamentos” do tipo: “se o chefe lhe pedir para fazer algo, não pergunte se é urgente. Se o chefe pediu é porque é urgente!” e, “jamais colocar a culpa no chefe: principalmente quando a culpa é do chefe”, ou, “nunca ofuscar o chefe, seja na roupa, no comportamento ou na inteligência” (sic!) (in: Os dez mandamentos do bom relacionamento com o chefe. Max Gehringuer), o senhor Gehringer é a legitima atualização do Palhaço Carequinha. Ele é hoje a maior autoridade do ramo do conhecimento(?) que se denomina “etiqueta profissional”.

Em deprimentes lições de subserviência, Max Gehringer diz – com outras letras –: “o deus Mercado protege o bom menino / que obedece sempre, sempre ao patrãozinho...” Só falta mesmo, ao terminar suas “lições de bom comportamento”, ao invés de anunciar seu nome ele perguntar: “Tá certo, ou não ta?”.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Um pouco mais da mesma coisa... (ou; tudo, como sempre, igual à mesma coisa de ontem, amanhã)


Recebemos, nesta semana, a visita do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) ao nosso Estado, com a finalidade da realização de inspeções acerca das condições físicas, materiais e humanas para o cumprimento da pena nas nossas prisões.

Na tarde de segunda-feira, os representantes do CNPCP realizaram uma Audiência Pública na Assembléia Legislativa, a fim de discutir com a população pernambucana os problemas que foram observados no Presídio Professor Aníbal Bruno – única Unidade Prisional visitada pelos eminentes conselheiros. Durante esta audiência, pudemos averiguar um dado muitíssimo importante: O ANIBAL BRUNO ESTÁ, EXATAMENTE, DO JEITO QUE JÁ SABÍAMOS QUE ELE ESTAVA!

É estarrecedor verificarmos que uma comitiva se desloca de Brasília, às custas dos nossos impostos, e viaja pelo país inteiro para, pelo menos ao que se viu em Pernambuco, declarar exatamente o que já se havia descrito, catalogado e denunciado pela sociedade local. O filósofo Cardinot chama isso de “enxugar gelo”, eu prefiro dizer que é dinheiro público escorrendo pelo ralo.

O CNPCP é um órgão consultivo do Ministério da Justiça e, como quase todo órgão consultivo nesse nosso país, não ultrapassa a esfera de uma instituição ornamental utilizada, em muitos casos ao longo de sua história, para abrigar com “pompas e circunstâncias” os “amigos” do Ministro. Como no nosso país, Ministro é político, e político – em regra geral – não têm amigos, mas, “cabos eleitorais”; estes se revezaram nos cargos do CNPCP de acordo com o agrupamento de votos que definia o titular da pasta do Ministério da Justiça.

Além do mais, como a Constituição Federal atribui aos Estados Federativos e ao Distrito Federal as prerrogativas legais sobre a administração prisional, os Órgãos Federais de política prisional apenas são levados em conta, nos Estados, em função do repasse de verbas que possam efetuar, visando a execução de projetos no âmbito dos membros federativos. Neste sentido, o prestígio dos Órgãos Federais de política prisional junto a Governadores e Secretários de Administração Penal está diretamente relacionado aos seus orçamentos destinados aos financiamentos estaduais: como o orçamento do CNPCP para tal fim é ZERO, sua capacidade de intervenção nos Estados pode muito bem ser representada por um gráfico que demonstre uma Função Negativa (abaixo do eixo de Y).

Sem ter, então, muito o que fazer, mas, forçado pela imperiosa necessidade de se mostrar útil, o CNPCP subsiste (sub-existe) de recomendações que ninguém considera e visitas para declarar o que todos já sabem.

Legítimo descendente de uma linhagem de instituições que surgiram no Império, quando se criavam órgãos para abrigar e emprestar prestígio aos “amigos do Rei”, o CNPCP é o triste retrato de um Brasil bufão, que insiste em não modernizar-se e que, por isso, celebra e reverencia autoridades ornamentais... enquanto isso, dentro de nossas prisões, a crise se agrava e prepara mais um festival de barbárie, como que para alimentar nossa sazonal indignação, hoje embalada e adormecida pela indiferença.