quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A imprensa, os seus “articulistas” e a dinâmica social.


A imprensa, os seus “articulistas” e a dinâmica social.


                                                                       Paulo Francis
(1930 - 1997)

Breno Rocha
Recife, inverno de 2012.

Li uma coluna jornalística agora há pouco, escrita por um importante articulista muito citado, inclusive, em trabalhos acadêmicos (o qual não quero citar o nome, pois não me interessa dar destaque à pessoa, mas, refletir sobre o assunto). Nesta coluna, escreveu o jornalista sobre as recentes greves no setor público federal: "greve remunerada não é greve; é férias!" (a pontuação é minha).

É muito "interessante" a postura desses "megapensadores" da sociedade contemporânea sobre um assunto do qual eles NADA entendem! A população em geral - que constantemente se deixa influenciar pelas opiniões desses "articulistas" - não tem ideia de como eles (os “articulistas”) estão afastados dos problemas sociais cotidianos e de quanto estão muito mais aproximados dos padrões dos patrões do que dos empregados; e, finalmente, de como esta realidade interfere diretamente na formação de suas “opiniões”.

À Imprensa contemporânea sobrou a tarefa de nos impor a pauta diária: desde o primeiro jornal da manhã – independente do veículo (impresso, rádio, TV, internet...) – até último, na madrugada, os editores estão escolhendo o que é relevante para nós sabermos e/ou pensarmos a respeito. De maneira mais ousada e RADICAL, cabe, assim, aos “articulistas” influenciar “o que pensamos” sobre que já foi definido como pauta (o que pensarmos sobre o que pensamos).

Acrescente a este fenômeno uma cultura arquitetada na estética do CERTO (bom, belo) e ERRADO (ruim, feio) e teremos a verdadeira materialização daquilo que George Orwell (1903 – 1950) denunciou como “Ministério do Pensamento”: materialização esta que funciona da seguinte maneira; primeiro os órgãos de imprensa definem a Pauta, isto é, para “o que” devemos direcionar a atenção; segundo, os “articulistas” opinam sobre esta Pauta indicando, a partir da sua “autoridade no assunto”, os “acertos” e “erros” identificados na análise daqueles assuntos da Pauta; terceiro, nós, uma vez que já temos “no que” pensar (a Pauta) e “como pensar” (o que é “certo” ou “errado” naquela Pauta), começamos a nos manifestar e nos comportar sobre tais assuntos, obviamente, da forma “certa”.

Desta maneira, encontramos nos ônibus lotados as pessoas discutindo a importância da “Reforma Tributária” e de suas repercussões positivas para a economia; ou “reconhecendo” a incapacidade financeira do país em sustentar um modelo previdenciário “tão ultrapassado”... Todos, invariavelmente, concordando com as conclusões emanadas pelos principais “articulistas” das principais empresas de comunicação jornalística.

O que a maioria das pessoas não sabe... ou, sabe mas não reflete... ou, reflete mas não externa porque têm medo de errar – como puro reflexo do nosso modelo educacional – é que tais “articulistas” são, invariavelmente, milionários... ou, caminhando nessa direção.

Quando um desses “articulistas”, por exemplo, muda de emissora de televisão, ficamos todos impressionados com o salário que ele passará a receber! Ficamos impressionados mas, nem sempre, associamos essas remunerações às opiniões que eles emitem cotidianamente.

Os colunistas dos jornais e revistas ganham em média – e esta média vai variar de acordo com o prestígio que ele acumule –, R$ 7 mil por veículo no qual aquela coluna (diária ou semanal) é publicada. Se “fulana”, por exemplo, publica a mesmíssima coluna num jornal de São Paulo, de Recife e de Salvador, por exemplo, são R$ 7 mil por jornal; por dia ou semana, a depender de quantas vezes “Fulana” publica.

Uma vez, um amigo meu que é jornalista, conversando sobre as frustrações da profissão, me disse que a primeira coisa que ele ouviu do editor, quando iniciou o estágio curricular, foi: “quem pensa em escrever o que quer, funda seu próprio jornal”. E, na vida real, é mesmo assim: a revista “Tal” é financiada (pelos seus patrocinadores) para questionar sistematicamente o Governo; pois seus jornalistas produzirão matérias denunciativas, focadas nos aspectos menos fortes da gestão pública. A revista “Qual”, entretanto, é financiada para reforçar a ação governamental? Então a lógica é “rogorozíssimamente” inversa. Até as revistas de “fofoca” funcionam a partir desta lógica.

O único mote que une todos os vieses do jornalismo formal está relacionado aos assuntos que se refiram diretamente à manutenção do sistema: aí, todos os focos, todas as opiniões seguirão o mesmo fluxo. Foi assim com a reforma da previdência; é assim com a reforma tributária; é assim com a reforma agrária; é assim, todo ano, com o valor do salário mínimo... Todas as opiniões são concordantes; ou, discordantes “ma non troppo!”

Voltemos ao nosso próprio “mote”: o que entende um “articulista” sobre greves? Quando foi, na história do nosso país (ou mesmo mundial) a última greve de jornalistas?

O desconto ou não dos dias parados fará parte do acordo que porá fim à greve e, por isso mesmo, dependerá diretamente da correlação de forças que se estabeleceu, de modo que a parte que estiver mais fragilizada (patrão ou trabalhador) no final do movimento arcará com o ônus do próprio movimento. Entrar numa greve, ou encaminhá-la, aceitando antecipadamente pagar o seu ônus é, de fato e de direito, assumir a postura de derrotado – para qualquer dos lados envolvidos. Mas, como poderia saber disso o “articulista”? O que entende ele de greves? Quando participou da última? Quando viveu a necessidade de por em risco seu emprego e seu sustento para, paradoxalmente, defender seu emprego e seu sustento? Ou, pelo contrário, não quer o “articulista”, exata e conscientemente, sugerir o enfraquecimento dos trabalhadores em greve, inferindo que estes deveriam ter, a priori, os dias parados descontados, como forma de defender seu próprio (dele, “articulista”) emprego e seu próprio sustento?

Por que escolhi a foto de Paulo Francis (1930 – 1997) para ilustrar esta reflexão? Porque, enquanto escrevia, me ocorreu que Francis foi uma das exceções à regra: isto é, um articulista que conseguiu sobreviver escrevendo em consonância com suas convicções, independente do quanto politicamente incorretas, controversas ou polêmicas elas fossem. Era lido, amado e/ou odiado por ter a coragem de expor suas ideias, não por seguir o fluxo... E assim, ao que parece, sobreviveu e sustentou-se.

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