quarta-feira, 13 de outubro de 2010

OS VOTOS DE MARINA

Por Breno Rocha

Bastou terminar o segundo turno para nossas caixas de e-mail receberem uma enxurrada de mensagens “refletindo” e “clamando” pelos votos de Marina Silva: os quase 20 milhões de votos que fizeram José Serra virar ambientalista e Dilma Rousseff converter-se ao exercício prático do cristianismo.

Marina transformou-se no “ponto de destaque” desta campanha eleitoral: o fato novo! O inusitado! A “onda verde” materializou-se num “fato político” tão importante que QUASE, isto mesmo, Q U A S E sufocou os 1 milhão e 300 mil votos do outro fenômeno eleitoral de 2010: TIRIRICA!

Afora representarem o protesto dos eleitores que ainda se dispõem em enfrentar as filas e a desorganização das seções eleitorais; afora materializarem a recusa significativa de parte expressiva da sociedade em seguir os projetos de sempre e pré-escolhidos pelas elites através da imprensa: os votos de Tiririca e de Marina Silva têm muito pouco em comum.

Julgar que os votos de Tiririca são exclusivamente a expressão da ignorância política é uma análise tão simplista quanto julgar que os de Marina Silva representam uma preocupação, fruto do avanço da consciência ambiental.

Em princípio, os votos de Marina Silva arregimentam-se em dois blocos distintos: “ambientalistas” e evangélicos. É eleitor de Marina Silva, por exemplo, o “pós-hippie” a favor da descriminalização da maconha e o “irmão” que crê, entre outras coisas, que o homossexual arderá eternamente no fogo do inferno.

Nem todo “pós-hippie” é a favor da descriminalização da maconha, assim como nem todo evangélico aceita que o homossexualismo é pecado mortal. No entanto, a generalização exemplificada de forma extrema (através de “estereótipos” que de fato existem) apresenta uma importante área de concentração dos eleitores de Marina Silva, os quais parecem ter de comum entre si apenas a disposição de votar na ilustre candidata.

Como tecer um discurso que aglutine ambos os blocos? Eis o problema enfrentado por Serra e Dilma; afinal, 20 milhões de votos fariam toda a diferença no segundo turno. Essa façanha, no entanto, nem a própria Marina Silva conseguiu. Com relação ao aborto, por exemplo, tema que divide completamente seu eleitorado, ela preferiu “chutar a bola para fora do estádio” (como faz qualquer zagueiro sem habilidade) dizendo que realizaria um plebiscito sobre o tema, caso fosse eleita. Isto é, se o tema divide “ambientalistas” e evangélicos é melhor que eles mesmos se resolvam. Para a evangélica Marina é mais difícil professar sua fé na polêmica constituição da alma desde o momento da fecundação, do que foi para a ambientalista Marina concordar com a polêmica transposição do Rio São Francisco.

Marina é, de fato, mais evangélica do que ambientalista, ou ao contrário... depende do que indiquem as pesquisas eleitorais... Marina é, então, mais POLIÍTICA do que evangélica ou ambientalista.

Marina tem, novamente, uma difícil decisão a tomar: pode indicar voto a Serra e renegar sua história antiga, de anos e anos de oposição ao modelo de governo do PSDB; ou indicar voto a Dilma e renegar sua história recente de oposição ao modelo de governo do PT... Ou pode até dar mais um “bico” para fora do estádio: “liberando seus eleitores para votarem segundo suas próprias convicções” e, assim, consolidar-se como “política”, antes (e além) de qualquer outra coisa.

Mas, no final da estória, o que une em torno de Marina blocos tão distintos de eleitores? A própria Marina? Muito difícil! Ela perde as eleições no Acre, seu território original, e ganha em Brasília (onde ficou em primeira colocada, no primeiro turno), o que demonstra que, antes de seu carisma pessoal, o protesto (no caso de Brasília) configurou a opção de seus eleitores. A vontade de expressar claramente o desagrado com as duas formas de governo em disputa (do PSDB e do PT) fizeram de Marina a “presidente eleita” na capital nacional do serviço público... No caso do Acre, onde seu carisma deveria ser de fato o diferencial, este não seria suficiente, sequer, para pô-la na disputa pelo segundo turno: no Acre Marina ficou na terceira posição.

O APOCALIPSE, prezado leitor: o Apocalipse, ou melhor, o discurso apocalíptico é o ponto de intercessão entre ambientalistas e evangélicos. Ambos crêem no catastrófico fim do mundo; que para os primeiros decorrerá da ira da natureza, vilipendiada pelo ser humano e, para os segundos, decorrerá da ira divina... conforme as razões bíblicas. Marina incorpora a proclamação do apocalipse; para uns e para outros.

Há 20 milhões de brasileiros e brasileiras que, por razões diversas, acreditam no fim do mundo! Em quem eles votarão no segundo turno? Isto é imprevisível! Marina não controla esses votos, tanto quanto Tiririca não controla os seus. Em ambos os casos os candidatos não se configuram em indicação, para os eleitores, de um caminho a ser seguido, mas, exatamente ao contrário, representam a decisão de caminho que os eleitores resolveram seguir.

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