sábado, 19 de julho de 2008

“Pacto Pela Vida”: “a emenda e o soneto”.


Conta-se que o poeta português Manuel Maria Barbosa Du Bocage, em sua mais prestigiosa época de poesias, recebeu de um jovem aspirante à carreira de versos um soneto para que, de bons préstimos, procedesse a sua correção, postando cruzes sobre os erros encontrados. Bocage, então, devolvera o soneto da forma que recebera – sem qualquer correção. Ao ser interpelado pelo aspirante a poeta se o grande mestre considerara o soneto tão perfeito que dispensava correções, Bocage, conhecido pelo seu apurado sarcasmo, respondera: “do contrário. É tão ruim que tive receio da emenda sair pior do que o soneto”.

Desde então se consagrara a expressão: “a emenda é pior do que o soneto”, a fim de se caracterizar, por exemplo, coisas que são tão ruins que devem ser destruídas, abandonadas, reconstruídas; refeitas totalmente, ao invés de lhes ficarmos “emendando”. É o que se sugere estar acontecendo com o Plano Estadual de Segurança Pública (PESP), mais conhecido como: Pacto Pela Vida.

No dia 18.07 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco encaminhou ao Governador do Estado Ofício no qual solicita “informações detalhadas” sobre o Pacto Pela Vida. O referido protocolo é oficializado um mês depois do Professor Jorge Zaverucha, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco, ter encaminhado documento similar e com os mesmos objetivos, também ao Governo do Estado.

Assim, como o documento da OAB chega ao Governador um mês após o documento do Professor Zaverucha, que, por sua vez, foi entregue um mês depois das avaliações de um ano do Pacto Pela vida, de fato, DOIS MESES APÓS O GOVERNO TER AFIRMADO PUBLICAMENTE QUE 70% DOS PROJETOS DO PACTO PELA VIDA ESTAVAM EM PLENO ANDAMENTO, ESTE AINDA NÃO CONSEGUIU INFORMAR, ENTRE OUTRAS COISAS, QUAIS DESSES PROJETOS FORAM IMPLANTADOS. (Por uma terrível “ironia” do destino, o documento da OAB foi entregue no mesmo dia em que uma criança de nove anos teve a vida ceifada ao sair de uma festa infantil, na Cidade Universitária, quando foi alvo da troca de tiros entre PMs e meliantes – tragédia que nos sugere que, se, como disse Caetano Veloso, “ a Mangueira é onde o Rio é mais baiano”, e na Segurança Pública que o Recife é mais Carioca!).

A lógica pela qual tem se regido o marketing político no Brasil, e em particular em Pernambuco, onde se inaugura – e, evidentemente, se “divulga” a inauguração de – até placas indicativas de futuras obras, nos remete a dedução de que se todos esses projetos estivessem em plena execução (ou se apenas alguns deles... ou se meramente “as placas” deles estivessem prontas), o Governo já os teria divulgado exaustivamente, em onerosas campanhas “multimídia”.

Se não o fez, então, é pelo mesmo motivo que não respondeu ao Protocolo do Professor Zaverucha... e, conseqüentemente, pelo mesmo motivo que o levará a não responder à OAB.

No dia da avaliação do Pacto Pela Vida, em 07.05, em artigo publicado neste Blog, ao denunciar que ZERO POR CENTO das ações previstas no Pacto Pela Vida para o Sistema Penitenciário haviam sido de fato implementadas (o que ocorre ainda até a data de hoje), eu alertava que o referido “Plano de Segurança” não era apenas um “protocolo de intenções”, como vinha sendo tratado, até então, pela Imprensa em geral, que se fixava na cobrança da redução do número de homicídios no Estado; mas, era, principalmente, uma excelente ferramenta de avaliação da eficiência do Governo: da sua capacidade de executar as tarefas a fim de atingir as metas por si mesmo identificadas.

O Pacto Pela Vida se constituiu, então, no “soneto” do Governo. Soneto que à sociedade, no papel de Bocage, caberia avaliá-lo. Coisa que o próprio Governo não permitiu que acontecesse quando avocou para si a tarefa de emendar o próprio soneto... E, para isso, sonegou informações; permitindo assim que suspeitemos que além de sonegá-las, possa tê-las manipulado.

Para responder ao Ofício da OAB, o Governo precisa; de um jeito, admitir que mentiu à população sobre a quantidade dos projetos implantados pelo Pacto Pela Vida, o que provocaria graves repercussões políticas no que concerne ao fazer democrático; de outro jeito – que seria apresentar todas as ações implantadas, as quais perfazem 70% do planejado – restaria o constrangimento de explicar por quê a demora em apresentar resultados já efetivados; o que, por sua vez, o prejudicaria no quesito “agilidade e transparência” – este que é (também) um importante viés do fazer democrático.

Em uma encruzilhada política (ou, para usar o vernáculo nordestino), entre a cruz e a caldeirinha, ao emendar o seu próprio soneto pela ocasião das avaliações de um ano do Pacto Pela Vida, o Governo conseguiu, apenas e simplesmente, validar o axioma de Bocage, que se consagrou como sabedoria popular: eis mais um caso onde A EMENDA SAÍU PIOR DO QUE O SONETO.

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