segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Tropa de Elite: "osso duro de roer"

A coqueluche do momento no Brasil é o filme “Tropa de Elite”, do Diretor José Padilha. Os milhares de fãs do filme, entre outras demonstrações de apreço, encheram o Orkut de comunidades sobre a trama e seus atores; e a Imprensa nacional não se cansa de publicar artigos sobre o filme, que os mais entusiasmados apontaram como “forte candidato a ganhador do Oscar”, caso fosse selecionado para concorrer... “NUNCA SERIA!”

“Tropa de Elite”, do ponto de vista cinematográfico, não ultrapassa a categoria de “medíocre”. Como Roteiro: é um velho e carcomido “clichê”. Um óbvio maniqueísmo; tão evidente que “bons” e “maus” são apresentados desde o início da trama e seguem, até o final, sem qualquer reviravolta que surpreenda a platéia. Aliás, a obviedade entre “mocinhos” e “bandidos” é tão agressivamente estampada que até suas vestimentas são pré-determinadas; como nos velhos faroestes hollywoodianos, nos quais os mocinhos vestiam-se de cowboys e os bandidos eram sempre os índios.

A Trilha Sonora – ponto comum de destaque nas produções nacionais – é uma tragédia; que se materializa desde a completa ausência de trilha em inúmeras cenas, até a obviedade da “Kátia Flávia” de Fausto Falcet na cena da boate e do uso de “Shine Happy People” (Gente Brilhando de Felicidade) do R.E.M na cena da “festa dos universitários”: neste caso, muito mais do que um clichê, o uso do “tema” da Banda Pop norte-americana R.E.M para sugerir o descaso da classe média-alta carioca para com a “guerra” que acontece “embaixo dos seus apartamentos de luxo” beira o plágio a Michael Moore, no seu “Fahrenheit 9-11”, quando aquele documentarista usa a mesma música como trilha para caracterizar George W. Bush e sua “corte” enriquecendo alheios à Guerra do Golfo.

A fotografia e a direção não trazem nada de novo e, em certos casos, chegam até a atrapalhar os atores. Como, por exemplo, na cena em que a “mãe do fogueteiro” vai pedir ao “Capitão Nascimento” para enterrar o filho. A ausência de closes nessa cena, que é feita TODA em plano americano, impede que o espectador tenha uma percepção direta da emoção vivida pelas personagens... representada pelos atores. Aliás, o abuso dos planos americanos, ou, a sua utilização em detrimento de closes ou detalhes nos leva a pensar que, na verdade, o orçamento do filme não permitiu o uso de tantas câmeras quantas seria necessário e, (só) por isso, a opção pelos sucessivos planos americanos.

À “Sétima Arte” Tropa de Elite não acrescenta absolutamente nada. Não traz nada de novo. Seu protagonista, o Capitão Nascimento, é quase um “Stallone Cobra”, quase um John Matrix (personagem de Arnold Schwarzenegger em “Comando para matar”), quase um John McClane (personagem de Bruce Willis em “Duro de matar”), só que vinte anos atrasado. Num tempo em que até mesmo Hollywood abandonou esse tipo de personagem.

Com essa estrutura cinematográfica Tropa de Elite não teria a menor chance de concorrer (para valer) ao Oscar. Por isso, a comissão que seleciona o filme a representar o país na disputada cerimônia de premiação da Academia de Cinema dos Estados Unidos fez muito bem em, discretamente, desclassificá-lo. (Desclassificação que, perceba-se, nem é tão questionada assim, pelos que são do meio).

Mas, mesmo com essa falta de atributos Tropa de Elite é um sucesso de popularidade. Caiu no gosto de “todos”. A empatia entre o público e o protagonista do filme, o Capitão Nascimento, é imediata. “Todos” querem ser o Capitão Nascimento! No Orkut, já são dezenas as comunidades que o sugerem para Presidente! Suas falas são repetidas, sua postura imitada... De onde vem tamanho sucesso? Como explicá-lo?

Seguem-se as teses sobre a sociologia do filme. Apresentam-se teorias sobre o psicologismo da platéia (e, por extensão, da nossa querida sociedade). Em fim, todos têm sua própria explicação sobre o avassalador sucesso de Tropa de Elite: todos e, é claro, eu também.

Um pouco acima eu declaro que o Capitão Nascimento é “QUASE” um herói hollywoodiano do estilo “tiro e porrada” que prevaleceu de meados dos anos oitenta do século passado, até meados dos anos noventa... QUASE, não fosse um nada sutil detalhe: o Capitão Nascimento é um frouxo... um perfeito covarde!... coisa que os hollywoodianos nunca foram.

Calma, ardoroso fã! Estamos falando do mesmíssimo Capitão Nascimento, sim. Aquele do BOPE, dos bofetões, do saco na cabeça... ele mesmo.

Se não assistimos a filmes diferentes (o que bem pode ter acontecido, graças a leniência governamental para com a “pirataria” em nosso país) o Capitão Nascimento é aquele que MANDA: “senta o dedo nessa porra!”; que MANDA por os cadáveres “na conta do Papa”; não é mesmo? Isto... O que “MANDA”, mas que, em cena alguma do filme executa ninguém. (não que eu, pessoalmente, ache que executar pessoas seja, em qualquer caso, sinal de bravura. Mas, este parece ser o critério adotado para denotar o destemor dos personagens: a capacidade de disparar sua arma de fogo contra seres humanos.)

O Capitão Nascimento é o único Oficial do BOPE que discorda veementemente da “Operação Papa”, alegando que “vai morrer gente”, coisa que, definitivamente, não acontece (lembre-se que, sob a ótica do protagonista “gente” quer dizer: “policiais”), pois o seu sucedâneo, Aspirante Neto, no comando de sua equipe, chega a matar 30 “bandidos”, sem que nenhuma baixa na tropa seja relatada. Nascimento, por sua vez, treme de medo ao subir o morro com sua equipe e chega até a “travar” numa escadaria, às vésperas de um combate. Isto, é claro, até sua equipe dominar a situação e, como se diz no jargão policial, “isolar o perímetro”. Depois que isso acontece, aí ele fica “valente”! São chutes, pontapés e até discursos propedêuticos. Sua pistola só é sacada para adolescentes e mulheres que já estejam devidamente subjugados; para estes ele distribui bravatas e bofetões. Ele nunca é o primeiro a chegar na ação, nem fica na retaguarda; está sempre protegido no meio da tropa. Nem mesmo o “Baiano” (tinha que ter “alcunha” de nordestino?), o assassino do seu preferido, Nascimento teve coragem de assassinar: para isso, corrompeu seu “aluno”.

Para não dizer que o Capitão Nascimento passou todo o filme sem atirar em nenhum “bandido”, ele, juntamente com mais dois PMs, atiraram em “Xuxa”, um ajudante de traficante, que estava sozinho, desarmado e subjugado: o que não demonstra, propriamente, bravura de sua parte.

Mas, se o Capitão Nascimento é mesmo um perfeito covarde, por que da empatia do público para com ele? E mais, por que ele é visto como um herói... um bravo?

Caetano Veloso (que por sinal também é cineasta) já nos avisou: “Narciso acha feio o que NÃO é espelho”. Por analogia, então, “Narciso” achará beleza no que É espelho. E é justamente isso que acontece entre o público e o Capitão Nascimento: ele é o espelho, o perfeito retrato do “heroísmo” nacional; ou, da postura que aprendemos a identificar como heróica.

O Capitão Nascimento é o arquétipo do Imperador que declarou a independência sem dar um tiro, pois a arrebatava do próprio pai, com seu apoio e consentimento: “tomava” o que já era seu por direito de herança; é também o arquétipo do Marechal que decretou a República deitado em sua cama... mais uma vez, sem disparar um tiro sequer; é as Forças Armadas dos anos setenta, em “guerra” contra estudantes universitários maltrapilhos e mal armados; ou o Exército, disparando seu canhão contra os trabalhadores da CSN, em 1988; é a Tropa de Choque invadindo o Carandiru com cães, bombas e metralhadoras sobre um contingente de presos inermes...

E ainda é muito mais: ele é o “Coronel” nordestino que reveste sua “bravura” com o uso de pistoleiros sempre dispostos a fazer “serviços” em seu nome; é o típico “Machão” brasileiro, que agüenta calado os assédios do patrão, mas que não poupa a esposa de gritos e reprimendas...

O Capitão Nascimento é, finalmente, a gravata do Coronel Meira no estudante subjugado. É a revista da Polícia em adolescentes na porta do estádio de futebol. É o Ministro Jobim, segurando a Anaconda que fora perseguida, caçada e domesticada por outrem... É o presídio cheio e Marcos Valério solto...

O Capitão Nascimento representa o que sempre entendemos no nosso país por “Exercício da autoridade”: “arrogância com os humildes e subserviência aos poderosos” (Como disse Ariano Suassuna no seu Auto da Compadecida: este sim, um grande filme!). Por isso, não percebemos de imediato sua covardia e se a percebemos, não apenas a achamos normal, mas, a confundimos com bravura.

É por isso que o adoramos e o queremos para Presidente. Porque ele personifica o “ethos” nacional no país do “você-sabe-com-quem-está-falando?”. (Além do mais, um país que há apenas três décadas aboliu a palmatória e o caroço de milho como “métodos pedagógicos” oficiais, não pode ver mal algum na pedagogia de Nascimento para com seus comandados nem no seu tratamento para com os mais humildes.)

Por que o filme é um sucesso? Simples. Porque, como dizia Paulo Francis: “somos um país de Jecas!” Apenas um país de “Jecas” veneraria um filme medíocre e adotaria um PULHA como herói nacional.

É... Tropa de Elite é mesmo um “osso duro de roer”, mas, como a nossa ignorância sobre Cinema é absoluta (aliás, como o é sobre muitas outras disciplinas artísticas), achamos que Cinema é zunido de bala e corpos explodindo – e isso, Tropa de Elite tem de sobra. Por isto, pensamos que Tropa de Elite ganharia o Oscar e nunca nos ocupamos em assistir “O Dragão da maldade contra o Santo Guerreiro”, “O pagador de promessas” ou “Vidas Secas”, esses, por exemplo, vencedores de prêmios até mais importantes do que o Oscar, mas, que mesmo assim, nunca estiveram “na moda”.

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