sábado, 22 de setembro de 2007

Schopenhauer, “os Doces Bárbaros” e um pouco de antiestética.

(Gil, Caetano e Gal, no programa Divino Maravilhoso, da TV TUPI. )

Há tempos que desejava escrever sobre antiestética neste espaço. Porque antiestética é um assunto que, simplesmente, me fascina. Mesmo entendendo que, de certa maneira, a antiestética é, por essência, uma atitude (atividade) juvenil, o seu poder transgressor e, por isso mesmo, transformador é para mim um atrativo particular. Assim como é um atrativo investigar a capacidade social de absorver qualquer proposta antiestética e, em maior ou menor grau, transformá-la em estética; isto é, subverter a contracultura em cultura: eis, pois, penso eu, a chave do segredo da perpetuação da sociedade humana! Eis, também, o demonstrar-se do que Hegel chamou de “suprassunção”; esta capacidade social de sintonizar o “velho” com o “novo” e seguir em frente.

Mas, antiestética não é um assunto muito fácil de ser abordado em um blog. Isto porque, para se esboçar uma reflexão sobre ANTI alguma coisa é necessário, preliminarmente, que se compreenda razoavelmente sobre essa “alguma coisa” e, no caso, não encontrava outra maneira de abordar o tema “antiestética” sem antes passar por Homero, Aristóteles, Kant, Hegel, isto é, esboçar uma espécie de “breve história da Estética”, para só depois chegar em Nietzsche e, finalmente, abordar uma espécie de teoria da antiestética, que nos remeteria a Miguel de Servantes, Rousseau, (novamente a) Nietzsche, uma “pitada” de Proudhon, Bakunin, Aldous Huxlei, George Orwel (...), em fim, não seria um artigo nos moldes de publicação em um blog, convenhamos.

Cheguei até a começar a escrever algo a partir do “fenômeno” Chaves (não o político, mas, o programa humorístico mexicano). Sobre como a antiestética do personagem que mora dentro de um barril que, por sua vez, fica dentro de uma “poblacion” (favela) conseguiu, num primeiro momento, vencer a estética (formal, vigente) e conseguir mais audiência, por exemplo, do que “Malhação”, com suas “ninfetas” e “Adonis”; e, num segundo momento, eternizar o enredo do menino pobre, que brinca com entulhos, no formato de desenho animado – enfrentando uma estética que privilegia o uso de equipamentos eletrônicos de ultima geração, pelos seus personagens. [Compare-se, por exemplo, o desenho animado de Chaves, que, apesar de ter perdido muito de sua antiestética com a substituição dos “feios” e “velhos” atores vivendo papéis de crianças – o que, em si, já é um elemento ridículo e de antiestética – por desenho animado com os demais desenhos em cartaz nas televisões brasileiras (Max Steel, Três Espiãs demais, etc) e ver-se-á o quanto o seu formato, temas abordados e mesmo teoria de valores diferem dos desenhos em voga no cenário atual].

Mas, o estudo inicial para escrever o artigo sobre Chaves me convenceu de que o fenômeno dos humoristas mexicanos (filmado entre os anos 80 e 90 do século passado) merece, graças ao seu sucesso mundial, um trabalho muito mais elaborado do que apenas algumas linhas nesta página eletrônica. Afinal, em princípio, me parece que Chaves seja uma das raras oportunidades nas quais a antiestética venceu a estética sem ser transformada (engolida) por esta, nem se adequar a um universo particular e discriminado (como fora o caso dos Hippies, por exemplo).

Hoje, porém, lendo Artur Schopenhauer, encontrei a “porta” para entrar no assunto neste meu muito prezado espaço eletrônico... Engraçado como um “quase” antiesteta me emprestou a saída para a abordagem de um assunto, a princípio, tão difícil de introduzir.

Schopenhauer é autor de uma obra, em particular, maravilhosa: “Sobre a Filosofia Universitária”. Se pudéssemos apenas considerar esse texto como “o pensamento” de Schopenhauer, sem dúvidas, poderíamos caracterizá-lo como antiesteta. Afinal, nesta obra ele esboça raciocínios maravilhosos como “se todos passam a concordar com suas idéias não seja tolo em acreditar que todos finalmente evoluíram: foi você quem ficou mediocre”, ou, “incapazes de ter suas próprias idéias, os medíocres se especializam no que os outros disseram”, ou, simplesmente, “o Estado só financia aquilo que lhe interessa e lhe reforça a existência, por isso, é impossível uma pesquisa independente no seio da universidade”.

Mas, Schopenhauer não escreveu apenas “Sobre a Filosofia Universitária”, ao contrário, sua bibliografia é vasta e, em alguns de seus escritos, encontraremos a franca defesa da estética (dizer, estética formal seria, para nós, no mínimo, um pleonasmo).

Em “A arte de Escrever” (L e M Pocket, 2006), num texto em que defende nitidamente a manutenção do estilo clássico alemão de redação, Schopenhauer esclarece: “o desleixo na maneira de vestir revela o menosprezo pela sociedade na qual uma pessoa se apresenta”. Ora, mas que descoberta maravilhosa! Schopenhauer escreveu isso em 1851: não é incrível como essa “verdade” pode ser perfeitamente observada no movimento Hippie da década de 1970, portanto, mais de 120 anos após?(!). E mais ainda no movimento Punk, dos anos de 1980?

Lia os ensinamentos de Schopenhauer e, assim que dei de cara com essa verdadeira pérola, me lembrei dos queridos (ex)Doces Bárbaros; na antiestética do Movimento Tropicalista... e de como agora, com a sutil diferenciação de Maria Bethânia, eles são totalmente incorporados à estética globalizada.

Percebi, então, que seu “menosprezo” pela sociedade esvaiu-se com o tempo e hoje, ao invés de contestá-la, lhes é mais caro “desenvolvê-la”.

Em algum momento específico a advertência de que “você precisa aprender inglês” perdeu a ironia, passando a ser uma recomendação propedêutica e “ir contra a via, cantar contra a melodia, nadar contra a maré” ou “não se amarrar a dinheiro, não!” não mais ecoa em “acordes dissonantes, pelos cinco mil alto-falantes”. Foi nesse exato momento que os “Doces Bárbaros” deixaram de menosprezar a sociedade à qual tanto contestavam e se vestiram a caráter para celebrá-la, deixando, certamente, de ser “bárbaros”...

Quão valioso é, então, o ensinamento de Schopenhauer. A partir dele é possível, inclusive, reconhecermos a autenticidade e a inventividade artística, visto que apenas o menosprezo pelo que está estabelecido pode servir de mola propulsora para a produção de algo realmente novo, vibrante e transformador.

Bem-aventurada a antiestética, sem ela seríamos condenados a um eterno repetir-se da celebração à monotonia do usual comportadatamente desbotado e opaco.
(leia um pouco sobre a "antimoda" tropicalista http://www2.uol.com.br/tropicalia/frame.htm )

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