terça-feira, 21 de agosto de 2007

Luís Inácio, Eduardo Campos, “Bernardinho” e suas respectivas “famílias”.




Percebi uma peculiar “coincidência” entre estes três “vultos” da nossa história contemporânea, no que se refere à “filosofia política” por trás do perfil administrativo de cada um. Em seus discursos, todos “confundem” a gestão administrativa pública com a administração familiar. Há, no bojo dessa “confusão”, a sutil exposição de uma personalidade tirânica revelada a partir de “atos-falhos” que demonstram muito mais do que uma mera ignorância acerca da teoria política.

Primeiro as declarações:

Luís Inácio, comentando a “coincidência” entre a maior concentração dos investimentos do seu governo no Nordeste e sua maior popularidade nessa região do país, declarou: “Devo tudo ao Sudeste. Lá, me alfabetizei, consegui trabalhar na metalurgia, entrei para o PT, me candidatei a Presidente da República... Mas, o Sudeste é mais forte e o Nordeste mais fraco. E, como um pai que gosta de todos os filhos igualmente, ajuda mais o mais fraquinho... aquele que precisa mais dele...

Eduardo Campos, durante a Greve dos Professores Estaduais, num dos seus atos políticos no interior do Estado, comentou: “Os servidores querem um reajuste que eu não posso conceder. É como um pai, que o filho quer um brinquedo... ele quer dar, mas não pode... gostaria muito de dar, mas não pode e o filho tem que entender...

Bernardinho, Técnico da Seleção Brasileira de Voleibol Masculino, sobre o escrete que comanda, afirmou: “somos uma família”... A qual, com a “preciosa ajuda da Rede Globo”, passou a ser conhecida como “a família Bernardinho”.

Não é de agora que a unidade familiar é utilizada como metáfora para determinar organizações sociais mais complexas (clubes, comunidades, sociedades, estados, etc). Esta confusão se dá, segundo Rousseau (Do contrato Social), porque, sendo a família “célula matter”, ou, “a mais antiga das sociedades (...) é, pois, a norma primitiva das sociedades políticas: o cabeça é a imagem do pai, o povo a dos filhos.”

Mas, há uma “ressalva” que sempre é omitida quando da utilização dessa antiga metáfora; esta se refere ao aspecto afetivo que envolve aquela “célula social original”.

O próprio Rousseau esclarece que “a família é a única sociedade natural” na qual os filhos se sujeitam à autoridade do pai “enquanto necessitam dele para se conservar”, isto é, SOBREVIVER. Uma vez que aprendem a sobreviverem por conta própria, os filhos buscam o desenlace social e tornam-se independentes. “Se continuam a viver unidos” acrescenta Rousseau, “não é natural, mas sim, voluntariamente, e só por convenção a própria família se mantêm”. Ou seja, continuar a viver em família após a superação da necessidade do pai como mantenedor já se traduz em uma característica cultural humana, não, numa característica natural.

Hegel, posteriormente, irá, na sua Filosofia do Direito, desenvolver essa revelação de Rousseau, caracterizando como “suprassunção” a característica humana de deixar a família original para fundar a sua própria, mesmo que mantendo laços com a primeira ao ponto de encontrar em todas essas um traço único e comum...

Mas, voltemos a Rousseau e nossos três personagens contemporâneos:

Rousseau vai explicar que a diferença entre a família e as sociedades complexas está no fato de que “na família o amor que o pai tem aos filhos paga os cuidados que ele lhes dispensa; e no Estado, o júbilo de governar supre o amor que a seus povos não dedica o maioral político”. E, mais adiante, Rousseau deixará bem claro que, se na família é o amor que matem a unidade da associação, no Estado são as leis que sedimentam tal unidade.

Bom, de posse dessas maravilhosas revelações, podemos partir para as nossas próprias...

É, a meu ver, “sintomático” que os governantes sempre apelem para a metáfora da “sociedade familiar” quando esses são os próprios representantes do “pai”. Isto é, Luis Inácio não evocou a referida analogia quando Fernando Henrique Cardoso estava no comando, nem Eduardo quando o Governador era Jarbas Vasconcelos, ou Bernardinho, quando era outro e não ele o técnico da Seleção de Voleibol.

Este “apelo” parece, então, sugerir não apenas uma visão simplista (elementar) da organização social, mas, também déspota. Isto porque, no caso dos gestores políticos, a analogia pode ser enxergada como um “ato-falho” psicológico que elimina do sistema de governo vigente, entre outras coisas, elementos importantíssimos como os poderes Legislativo e Judiciário, pois, ao “pai” cabe sozinho o “direito natural” de legislar e julgar com relação às suas famílias.

Além disso, há a tentativa de acrescentar, nos três casos, um elemento AFETIVO ao PODER POLÍTICO de cada um. Note-se que o “pai” não é o “macho alfa dominante”, isto é, o macho mais forte que comanda o bando, mas que precisa estar sempre alerta, pois, ao menor sinal de fraqueza, terá sua “autoridade” contestada e, por isso, precisará defendê-la, literalmente, a unhas e dentes... O “pai” é aquele que ama os filhos e, por isso mesmo, é amado por eles... é aquele que, quando cessa a força e o vigor físico, já adquiriu experiência suficiente para legitimar sua autoridade... é aquele, finalmente, que não poderá NUNCA ter seu poder (e título) contestado, pois, podem haver vários líderes, porém, um único e definitivo “pai”.

Quando se comparam a “pais”, lideres ou governantes podem até faze-lo por ignorância política. Mas, tal ignorância não é sinal de que fizeram simplesmente uma má e indevida associação cognitiva; do contrário, é a demonstração do que mais almejam nos recônditos de sua “psique”: um poder incondicional, inquestionável, indelével e indefectível.

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