quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O inusitado movimento dos Médicos pernambucanos.



Há tempos que vimos preocupados com o desenvolvimento (ou, a necessidade do desenvolvimento) de novas formas de lutas para o Trabalho, em seu histórico enfrentamento com o Capital.

Certos que estamos de que as formas de luta tradicionais dos trabalhadores vêm se estagnando frente ao desenvolvimento das reações sociais, política, bélicas e jurídicas do Capital (e seus representantes), somos, talvez, os principais entusiastas do desenvolvimento de novas formas de enfrentamento do Trabalho para com o Capital. Por isso mesmo, não apenas vimos tentando elaborar um raciocínio (uma reflexão) que se fundamente na observação minuciosa da dialética entre a Lógica do Trabalho e a Lógica do Capital, mas, temos investido todo o possível na pesquisa, catalogação e análise dessas novas formas de luta a quais assistimos se desenharem (em verdade, se esboçarem, visto que essas ainda parecem despontar em suas formas embrionárias).

A partir dessas nossas observações já é possível declarar o seguinte:

Algumas formas tradicionais de opressão do Capital sobre o Trabalho já se demonstram completamente inócuas (do ponto de vista prático). Podemos citar, por exemplo, além das decisões judiciais de ilegalidade dos movimentos paredistas (conforme análise no tópico anterior), o CORTE DE PONTO.

A tática de descontar previamente (isto é, antes do desfecho final das negociações, onde, esta e outras ações repressivas são sempre rediscutidas) os valores referentes aos dias sem a prestação de serviço, devido às atividades paredistas da Categoria era, efetivamente, uma tática eficiente num outro cenário político e social, mais diretamente relacionado ao trabalho fabril e à “sociedade industrial”.

Ocorre que num modelo de “sociedade industrial” (que vem sendo superado historicamente), relativo aos Séculos XVIII, XIX e parte do Século XX, o trabalhador estava atrelado a apenas um emprego”, o da fábrica, no qual ele dispensava todo o seu dia útil e, do qual, recebia a totalidade dos seus proventos; com os quais passou exclusivamente a garantir o sustento de sua família (considerando-se os anos, as décadas e os Séculos que se passaram para que se atingisse tal estabilidade; isto é, a análise em questão está mais diretamente relacionada à fase de pleno desenvolvimento da “sociedade industrial” a partir do seu modelo “fordista” de organização, no qual, finalmente, as crianças são afastadas do trabalho, a fim de que se prestigiasse sua formação educacional voltada para “o trabalhador do futuro” e as mulheres tratavam da estabilidade doméstica; da estabilidade familiar).

Este trabalhador subsistia exclusivamente do salário pago pela fábrica, reitero. Logo, para este trabalhador, o corte do ponto era uma “coação irresistível”, pois, representava a FOME para si e para a sua família, no final do mês... imediatamente. Tal coação não possui a “força” (o impacto) hoje, que possuía àquela época: primeiro porque o sustento a subsistência da família não depende mais exclusivamente do “marido” (pai, trabalhador) – ou seria melhor dizer: o sustento da família depende cada vez menos exclusivamente do “marido” (pai, trabalhador”). Aos poucos, mas, de maneira continuada, o “sistema” foi empurrando a mulher de volta ao Mercado de Trabalho. Sob a influência do discurso ideológico da “igualdade” entre os gêneros e da “emancipação” feminina, as mulheres foram recolocadas aos postos de trabalho, onde reforçaram o “exército de reserva de mão-de-obra”, pressionando para baixo os valores dos salários nos setores da economia onde a “tecnologia” ainda não executa tal tarefa. De outro modo, porém, aos poucos, mas também de maneira continuada, a divisão do sustento familiar entre “marido” e “esposa” foi permitindo a maior independência de cada um com relação ao seu trabalho respectivo. Ou seja, se, num primeiro momento, o ingresso da mulher no Mercado de Trabalho determinou, a partir do aumento da concorrência por postos de trabalho, a redução da oferta da remuneração pelo trabalho prestado; num segundo momento, provocou, para as famílias, maior capacidade de resistência às pressões do “sistema”, tais como: desemprego, achatamento salarial, ofertas de sub-postos de trabalho, cortes de pontos, etc. Hoje, se o “marido” (conforme o caso que estamos discorrendo) tem o “Ponto Cortado”, por mais pressões que, muitas vezes, a própria mulher se encarrega de exercer sobre ele, substituindo ou amplificando eventualmente a própria pressão patronal, o "corte de ponto" não significa a materialização da fome para si ou para sua família, imediatamente no final do mês, uma vez que ele poderá contar com o socorro financeiro da esposa.
Em segundo lugar, o impacto do "corte de pontos" não é mais o mesmo graças, também, ao desenvolvimento do Capitalismo Financeiro. "Adversário" histórico que é do Capitalismo Industrial (principalmente pela prioridade que aquele destina ao capital; qual seja, a especulação financeira e não o investimento na produção), o Capitalismo Financeiro desenvolveu o atual sistema de crédito. Através deste, o trabalhador pode, caso efetue uma programação estratégica, suportar dois ou três meses de "corte de ponto". Caso, inclusive, saiba combinar o "sistema de créditos" com o auxílio da "esposa", a resistência ao "corte de ponto" poderá ser até mais prolongada...
Mas, na atual circunstância das "lutas de julho", um terceiro fator aponta para a falência histórica da estratégia patronal do "corte de pontos": a diversidade de postos de trabalho, específica nas categorias envolvidas no embate.
Ocorre que Categorias como Professores, Médicos e Policiais (estes último de maneira especial) prestam serviços sempre a mais de um empregador ao mesmo tempo; ou seja, estes profissionais compõem suas rendas a partir do acréscimo de dois ou mais postos de trabalho (os policiais são citados acima como "de maneira especial" visto que, no seu caso, este outro posto de trabalho, apesar de cada vez mais estar se configurando em regra, ainda é ocupado de forma "clandestina"). Logo, fica claro que o impacto do "corte de ponto" para as referidas Categorias Profissionais (além de outras aqui não referidas) não tem a eficiência esperada pelo empregador. E, ainda, se tal medida impõe, de fato, alguma pressão sobre os referidos trabalhadores, tal pressão está cada vez mais relacionada à uma forma "ideológica" (exercida principalmente a partir do efeito de uma espécie de "memória coletiva" sobre as drásticas conseqüências que o "corte de ponto" impunha antigamente) que exatamente aos seus efeitos práticos contemporâneos.
Porém, no caso particular dos Médicos pernambucanos, a estratégia de luta conseguiu ir ainda mais além... Não tratou-se, apenas, da confirmação das novas condições sociais e econômicas que, finalmente, passaram a ser decodificadas pelo Trabalho e, a partir disso, utilizadas como instrumento de pressão deste, contra o Capital; mas, da verdadeira inovação da estratégia de luta!

Beneficiados diretamente pelo recrudescimento dos postos de trabalho para a Categoria, dado o desenvolvimento do pólo médico no Estado, os Médicos "simplesmente" PEDIRAM DEMISSÃO!
Tal estratégia desnorteou completamente o Governo do Estado, o qual, evidente mente, não estava preparado para uma ação nestes termos.
A estratégia de pedir demissão coletivamente não foi, exatamente, inédita. Mas, foi a primeira vez que se efetivou. Em outros movimentos, principalmente durante o Governo Jarbas, os Médicos pernambucanos se valeram do discurso de que pediriam demissão, sempre como forma de "chantagem" sindical. Jarbas, entretanto, nunca foi arrogante o suficiente para "pagar para ver". Eduardo, por sua vez, foi, não apenas arrogante, mas, incompetente o bastante para arrastar, a partir da falta de diálogo oriundo de avaliações equivocadas da sua equipe, o segmento da saúde pública para a pior crise já ocorrida no Estado.
Até então, esperava-se que os Médicos não levassem à cabo suas ameaças... as esperanças foram, porém, vãs...
Com os pedidos de demissão, os médicos colocaram "em cheque", de uma só vez: a política administrativa do Governo, que, até então era de não negociar com nenhuma categoria em separado; o Poder Judiciário, visto que não havia precedente jurídico para remediar o impasse, uma vez que, a regras trabalhistas em vigor no país não prevêem, ainda, a imposição coercitiva ao trabalho (exceto para o preso, que, por força da Lei de Execução Penal é OBRIGADO a trabalhar) e, finalmente, a "todos aqueles" que são sempre "contra as greves", os quais detinham invariavelmente o seguinte discurso: "não quer trabalhar, peça demissão, mas não atrapalhe fazendo greve". Os Médicos pediram demissão e demonstraram que a dialética aristotélica do "escravo e senhor" (atualizada, posteriormente, por Hegel) ainda está completamente em vigor; ou seja, a interdependência entre trabalhador e patrão é irremediavelmente efetiva; e, enquanto a cibernética não conseguir equacionar tal interdependência, patrão dependerá muito mais do trabalhador do que o inverso...

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