terça-feira, 5 de junho de 2007

O ROCK ERROU - a algema estética de Lobão.

(Capa do disco "O rock errou", 1986)


Paulo Francis (*1930 + 1997), o controvertido jornalista brasileiro, quando perguntado por um certo livro lançado naquela semana, respondeu “ao vivo e a cores”: NÃO LI E NÃO GOSTEI! Tal resposta apenas juntou-se a tantas outras do mesmo naipe, que contribuíram para tornar pública as idiossincrasias do polêmico intelectual. “Não li e não gostei” passou então, a partir daqueles agitados anos oitenta, a ser repetido livremente até ganhar status de “bordão”; que, se por um lado fazia troça da arrogância original que forjara a frase, expondo-a e ao seu autor a uma espécie de ridículo popular pela evidente contradição que a frase representava, por outro lado passou também a significar uma postura política. Algo assim como: “não gosto da idéia, por isso, não preciso nem ler para saber que não vou gostar da sua exposição”.

Não li e não gostei” assumiu então, paradoxalmente, um sentido estético-político. Um posicionamento “à priori”; sem que fosse, no entanto, preconceituoso... sendo, entretanto, pré-conceituoso... E se consolidou em outros formatos, universalizando-se nas variações: “não VÍ e não gostei”, “não OUVÍ e não gostei”, “não COMÍ e não gostei”, etc.

Nada, então, mais apropriado do que evocar uma frase tão polêmica de um ícone dos anos oitenta para comentar o trabalho de um outro polêmico ícone dos anos oitenta: com relação ao disco acústico de Lobão (Acústico MTV, Sony & BMG), “não ouvi e não gostei”!

O fato de não ter gostado sem nem mesmo ter precisado ouvir se deve a que o disco em questão não é, por incrível que possa parecer, um objeto estético, mas, antes disso, POLÍTICO.

A gravadora não lançou mais um disco acústico, dessa vez do grande e genial Lobão, mas um símbolo político do seu poder econômico; e é muito ruim (triste, chato, frustrante) que o grande e genial Lobão tenha cedido às pressões e colaborado para isso.

Lobão posicionou-se desde o início contra a realização dos tais álbuns acústicos. No seu “Universo Paralelo” propôs uma estética livre das pressões do mercado fonográfico, lutando para demonstrar que há mercado fora do “mercado”. Disponibilizou seus trabalhos na internet, através de um sítio eletrônico criado para tal e vendeu seus discos nas bancas de revista... lutou bravamente para se livrar das algemas econômicas das gravadoras...

Quem não lembra de Lobão indo ao Congresso Nacional, solicitar dos congressistas uma Lei que determinasse a numeração nos discos e livros para que os artistas (no caso, músicos e cantores) e escritores pudessem ter controle sobre a distribuição da sua obra? Quem não lembra de Lobão ponderando que a “pirataria” era um movimento popular legítimo contra os “salgados” preços dos CDs cobrados pelas gravadoras?

Sobre os “acústicos”, Lobão declarava veementemente: “São Monstros Frankenstein, porque misturam em suas faixas várias fazes diferentes do artista”. Para Lobão, cada disco tem (ou pelo visto, TINHA) uma narrativa própria. Fazer uma coletânea de várias narrativas apenas para construir um disco de “Hits”, não apenas era uma tarefa moralmente reprovável, mas, uma violência estética.

Esses caras estão se alimentando do próprio cadáver”, dizia Lobão sobre os seus colegas que se dignavam a participar de projetos acústicos.

Mas, Lobão também precisava se alimentar... e como diziam os “Titãs”, ainda nos anos oitenta: “você tem fome de quê?”

Ver Lobão peregrinando nas emissoras de televisão para divulgar seu “DISCO ACÚSTICO” me remete à cena medieval do verdugo, arrastando seu prisioneiro subjugado pelas principais ruas da cidadela, a fim de demonstrar a supremacia do poder real... aí está o conteúdo político do novo disco de Lobão: ele representa a supremacia do poder econômico contra o esboço de uma estética alternativa.

Contra o Lobão rebelde que levava uma “vida bandida”, a “decadence, avec elegance” do poder econômico “resvalando em abismos um por do sol furioso / que a sensação de perda ao ver exagera / (é) o desespero vermelho de um apocalipse luminoso / na velocidade terrível da queda” (!) (A queda).

“Não ouvi e não gostei” do acústico de Lobão! Porque não gosto de tudo o que ele representa... Isto, não significa, no entanto, o lançamento de nenhum tipo de protesto contra o artista em questão. “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, disse outro grande anti-esteta brasileiro. Me surge apenas a impressão de que não foi em 1986, mas, agora que “o rock errou”...

1 Comentários:

Blogger Denilson disse...

Breno,

É realmente terrível ver Lobão, tão contestador que foi - ou talvez até volte a ser - despir-se e se entregar ao estupro econômico-fonográfico. Evidentemente estou elidindo qualquer análise estético-cultural do "produto" mercadológico. Não quero discutir o valor estético-musical do disco; nego-me a isso.
Mas que o deus-mercado (fonográfico, no caso) impingiu um castigo de Prometeu a Lobão, isso impingiu: "Dou a 'imortalidade' a quem bem quero, mas nesse caso vai ser para fazê-lo sofrer eternamente". Semelhante a Prometeu, Lobão ainda vai clamar pela morte, pra livrá-lo do sofrimento.
Forte abraço, amigo.

Denilson

5 de junho de 2007 às 20:29  

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