terça-feira, 8 de maio de 2007



O ARTIGO A SEGUIR NÃO É DE TODO INÉDITO, MAS, ESTA SEMANA (DE PRIMEIRO DE MAIO ATÉ HOJE – 08.05 – FORAM CONTABILIZADOS 60 HOMICÍDIOS EM PERNAMBUCO, “CONTRA”, POR EXEMPLO, 49 NO RIO DE JANEIRO. DETALHE, PERNAMBUCO TEM 8 MILHÕES DE HABITANTES, O RIO DE JANEIRO TEM 14 MILHÕES... BOM, VALE À PENA, ENTÃO, REEDITAR A “PERPLEXÃO”


SOBRE A PRISÃO DOS GRUPOS DE EXTERMÍNIO EM PERNAMBUCO



Assistimos à eufórica comemoração do Governo Eduardo pela prisão de Grupos de Extermínio em Pernambuco, e de fato, as referidas prisões merecem, por si, serem mesmo comemoradas. É muito importante tirar de circulação assassinos que comercializam a cruenta capacidade de exterminar o seu semelhante.

Entretanto, há algo que transparece da atitude comemorativa do Governo, que nos indica uma grave falha no tratamento do problema: ele – o problema – é apresentado de forma tal que se sugere ter tido sua solução no momento da prisão. E é aí que se enganam, Eduardo e sua equipe.

O problema do alto índice de homicídios no nosso Estado não se esgota com a prisão de “matadores”.

Neste momento, eu poderia enveredar a redação deste artigo pelo caminho da desestrutura vivida no sistema penitenciário estadual e falar na catastrófica justaposição entre tal fragilidade e 20, quem sabe 30 exterminadores de seres humanos juntos e já organizados detidos no interior de nossas combalidas prisões.

Mas, não seguirei esse caminho – até por compreender que o senhor leitor e a senhora leitora, extremamente habilidosos como são, já compreenderam os riscos que estamos todos nós correndo em juntar nos pátios de nossas cadeias criminosos tão perigosos com outros que, não sendo tão perigosos quanto, os idolatram – graças a um certo “glamour” com o qual se reveste no submundo do crime os bandidos que se viram dignos de tamanha atenção da imprensa, da sociedade e até do próprio Governador.

Vou, então, procurar abordar o problema “um tom acima”... a partir do seu aspecto “conceitual”:

Como tratar o problema da prática de extermínio no Estado de Pernambuco? Eis uma pergunta de resposta extremamente complicada... O Governo Eduardo Campos apresenta os elementos básicos que indiquem que poderá resolver o problema? Bom, já esta é de mais simples resposta.

Neste caso, respondamos à segunda em primeiro lugar, que tal resposta nos conduzirá à solução da primeira.

Nietzsche, o filósofo alemão, foi quem nos revelou que “a vida imita a arte”, e tal revelação em muito nos auxilia a entender a forma do recrudescimento da violência (institucional ou não) nos nossos tempos.

Se tínhamos, há décadas atrás, a partir do imaginário popular alimentado principalmente pelo cinema, vilões e mocinhos que dosavam dentro de um senso politicamente correto suas ações violentas, aos poucos, mas, definitivamente, essa prática foi se aviltando até passarmos do “duelo ao pôr do sol”, no qual o herói disparava na mão do vilão, tanto para demonstrar habilidade quanto para impor sua superioridade moral – o herói nunca matava; nem mesmo se seu adversário fosse o próprio vilão –, até o “Juiz Dread”, personagem vivido por Silvester Stalone, o qual, com prerrogativas institucionais, fazia exatamente o que faz qualquer “matador” no território pernambucano: identificava, caçava, julgava, condenava e executava numa mesma seqüência do filme; isto é, sem perder nenhum tempo com os “ritos do processo”.

Mas, não apenas o aviltamento das relações de “justiça” entre “heróis” e “bandidos” se incorporaram “estilisticamente” ao cotidiano criminal pernambucano; ou seja, não apenas ao “vilão” deixou de ser merecida a cadeia (destino indefectível dos vilões no cinema romântico), sendo essa substituída pela execução sumária. Também absorvemos do cinema a falsa idéia de que tudo, absolutamente tudo se resolve no “The End”.

Como se a vida fosse um filme, aprendemos que os momentos existenciais dos outros – e às vezes cremos que até os nossos – se extinguem com um gesto mágico, numa cena glamurosa.

Daí aceitamos os programas policiais televisivos, todos, invariavelmente, sem solução de continuidade. Neles, cada assunto, ou melhor, cada caso se resolve em si mesmo e, quase sempre, com a morte do “vilão”. Assim, temos nosso próprio “filme”: inédito e diário...

“Fulano tinha 17 anos, se envolveu com drogas, praticou vários assaltos, alguns estupros... foi exterminado.” Aí está nosso “roteiro”, que vem sendo interpretado cotidianamente. Assim, deste modo, “Fulano” deixa de ser HUMANO e passa a ser “personagem” de um roteiro com final determinado. Assim, também, de um certo modo, deixa de haver culpados pelo seu trágico fim, a não ser ele mesmo, pois, já conhecia o “roteiro”, se aceitou o papel, “foi por que quis”.

Ora, não se trata de demonizar a Arte pela matança geral que se institui nos centros urbanos nos nossos dias; calma, senhora, não é isso. Mas, de apresentar como “a vida tem imitado o vídeo” numa relação na qual abandonamos a capacidade de refletir sobre os nossos problemas, buscando instituir-lhes soluções como quem aplica um sistema de "múltipla-escolha", abandonando sempre a decisão anterior, caso esta não se demonstre adequada. Sem nem por um momento refletir sobre o motivo de tal inadequação, ou no que a próxima decisão possa comportar-se, também, inadequadamente.

Veja-se, por exemplo, as declarações do Governo e do próprio Governador sobre a prisão dos grupos de extermínio: completamente "cinematográficas"!

O Governo institui para o caso um verdadeiro (e, julgo eu, perigoso) "happy end", como se o problema se encerrasse na prisão dos acusados. Ou seja, assim como o "Juiz Dread" o Governo "identificou, caçou, prendeu" e, pelo que parece, "julgou, condenou e executou" os envolvidos. Afinal, para onde eles vão, tomando-se como referência o discurso do governo, após sua prisão? Eles SOMEM? Desaparecem junto com o problema? Tudo acaba? Lê-se "The End" e sobem os créditos?

Não (in)FELIZMENTE não é assim que ocorre. Apesar de ser assim que age e pensa o Governo Eduardo.

Como uma de suas primeiras medidas Governamentais, Eduardo separou o Sistema Penitenciário do Sistema de Segurança Pública do Estado. Nossas prisões, a partir de então, passam a integrar o sistema de DESENVOLVEIMENTO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS.

Medida que nos traz diversas reflexões, entre elas, que em Pernambuco o "Desenvolvimento Social" advirá das prisões, não das escolas e, por isso, talvez, nossas escolas estejam tão abandonadas...Ou mesmo que Direitos Humanos esteja afeito às prisões e não às Polícias... quem sabe aí esteja revelado um "vale-tudo" para prender, em prol da redenção do Desenvolvimento Social...

De fato, no entanto, compreendemos apenas que a Segurança Pública não é encarada, em Pernambuco, de forma holística, com começo meio e fim. Mas, como flashes e recortes. E, deste modo, o frio e calculista homicida que levou á cabo, junto com seus comparsas, 1000 pessoas em um ano, depois de preso passa IMEDIATAMENTE para a categoria do "BOM SELVAGEM" rousseauriano!

Uma vez que foi "identificado, caçado, preso" e exposto como troféu pelo implacável caçador de bandidos perigosos, este roteiro já se extinguiu e aí, começa outro, no qual o mesmo "ator" assume outro personagem, o do "bom selvagem" que irá trocar uma vida proporcionada, por exemplo, por um depósito com mais de 200 mil reais em mercadorias, pelo curso de fazedor de bolas, oferecido gentilmente pelo Ministério da Justiça.

Neste novo roteiro o "script" funciona assim: o "bandido" chega a uma "terra do nunca": O Presídio (terra do nunca, pois nunca tem remédios, nunca tem alimentação suficiente, nunca tem água para higiene pessoal, nunca tem médico para lhe atender, etc). Neste exato momento aparece o Sr. Fernando Matos (Secretário de Direitos Humanos) e estende-lhe a mão benevolente, dizendo: Se tu abdicardes de um passado de crimes e violência e do conforto que o dinheiro criminoso te proporcionou, te matricularei num excelente curso de Eletricista de Autos e podereis, caso saias vivo da "Terra do Nunca" sobreviver do suor do teu trabalho...

"Obviamente" que o novo cidadão irá aceitar, afinal, esta tem sido a receita de índices de reincidência tão baixos (cerca de 75%, no Brasil e/ou na Suécia, invariavelmente).

Cardinot (já que citei dois filósofos ao longo do artigo, por que não citar mais um?) vive dizendo: estamos enxugando gelo! E ele tem razão, pelo menos nesse caso.

Não podemos mais aceitar que a questão da segurança pública seja tratada dessa forma: com flashes e recortes... à base da múltipla-escolha.

O Governo Eduardo não tem condições de resolver o problema, simplesmente por ter uma visão míope e destorcida dele. Por encará-lo como uma questão "de polícia" e por isso, não apresentar soluções de continuidade ao tratamento da questão.

Uma visão romântica e equivocada do papel e da questão prisional não apenas gera motins e rebeliões no interior das cadeias, mas, joga pelo ralo milhões de reais investidos no policiamento preventivo, ostensivo, judiciário... na política educacional, na cultural...

Enquanto não se entender que o sistema penitenciário é um importante componente da "espada do Leviatã" e que, por isso, o medo de ser preso, contemporaneamente, deveria ser incorporado às "razões que fazem os homens optarem pela paz" (cf. Hobbes) seguiremos "enxugando gelo" e gastando todos nossos esforços com "Stalones", quando o que precisamos é de um pouco mais de Foucault.

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