quarta-feira, 27 de junho de 2007

A argúcia jornalística e a segurança pública


Há uma semana atrás, o Jornal do Commércio veiculou duas excelentes matérias que, após uma vista mais cuidadosa, além de se complementarem como abordagens distintas do mesmo problema, expõem as repercussões econômicas, sociais e políticas da crise de segurança que atravessa o nosso Estado.

Na matéria intitulada “Sob o domínio do crack”, Ciara Carvalho expõe muito mais do que fatos jornalísticos sobre o nefasto comércio das drogas em Pernambuco. Expõe, também, informações precisas sobre “quem” gerencia tais negócios e “como” estes são operados.

Informações tão precisas que somos levados a supor que o próprio “serviço de inteligência” da polícia estadual, tão ovacionado pelo governador Eduardo Campos, só teve acesso a elas a partir da referida matéria – caso contrário, como explicar que os pontos de distribuição de drogas sejam comandados por presos?

Ciara Carvalho ainda nos informa que as vantagens financeiras alcançadas pelos traficantes de drogas do Estado são o principal “combustível” para a adesão à nefasta prática, sendo a corrupção policial um importante fator de incentivo.

Em sua “entrevista a um ex-presidiário” pudemos saber diretamente de um dos envolvidos com o narcotráfico que “(...) o crack levanta o cara ligeiro. Lá fora, tinha gente que, quando começou a vender, tava andando de bicicleta, passando necessidade, (...) com 60 dias (vendendo crack) já tinha adquirido uma moto, mudado de casa, cheio de mulher” e ainda que “tem policial que honra a farda (...) mas, a maioria é corrupta. Chegam a lhe oferecer proteção em troca de dinheiro”.

Eduardo Machado, por sua vez, abordou os problemas que impõem um “gargalo” frente à promoção da Justiça em Pernambuco. Na sua matéria “Tribunal julga em cinco meses só 23 acusados de homicídio”, Machado revela como a desestrutura nos aparatos judiciários estão contribuindo, indiretamente, para a sensação de impunidade que, por sua vez, contribui para o recrudescimento dos alarmantes índices de violência.

A falta de pessoal e de estrutura material para a realização das escoltas judiciais compõem o obstáculo institucional para a promoção da Justiça, pois, sem a apresentação dos acusados em todas as fases do rito processual, não há como o Judiciário cumprir sua parte na cadeia holística do aparato judicial civil contemporâneo.

Enquanto Ciara Carvalho apresenta a dura realidade de um Sistema Prisional que se configura atualmente como “Quartel General do Crime”, demonstrando que o combate ao narcotráfico é impossível sem a efetivação de ações policiais e de inteligência a partir do Sistema Penitenciário (fenômeno que não tem sido observado apenas no nosso Estado, mas, também nos principais centros urbanos da América Latina), Eduardo Machado expõe que o sucateamento estrutural do Sistema Penitenciário repercute diretamente na insuficiência de resultados quanto à promoção da Justiça.

Justapondo as informações das duas matérias jornalísticas em questão, percebemos, a partir de fatos recolhidos na vida real, algo que parece só Eduardo Campos não percebeu: qualquer tentativa de solucionar os graves problemas da segurança pública em Pernambuco, passa necessariamente pelo incremento das políticas de Segurança Penitenciária.

Na contra-mão do que exibe a realidade das ruas, Eduardo Campos, em sua primeira ação de governo para a Segurança Pública, extraiu do aparato da Secretaria de Defesa Social o Sistema Penitenciário, plotando-o na Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, o que demonstra a sua miopia para com as questões de Segurança, uma vez que a enxerga de maneira segmentada; fracionada e desarticulada.

Mas, não é apenas míope o governo Eduardo Campos, parece também ser SURDO: isto porque, uma semana após a publicação das referidas matérias jornalísticas, tudo continua como antes!

Por mais reveladoras e até “chocantes” que foram as linhas traçadas por Ciara Carvalho e Eduardo Machado, não foram suficientes para determinar nenhuma alteração nas rotinas das unidades prisionais pernambucanas, nem mesmo o anúncio de alterações na política prisional do Estado.

Os “controladores” do tráfico de crack só não acordaram hoje, dentro das celas, uma semana após a publicação das matérias, nas mesmas circunstâncias que acordaram terça-feira passada, porque naquela data eles tinham a preocupação de que, reveladas publicamente suas nefastas práticas, alguma sanção coercitiva lhes fosse imposta... o que não veio a acontecer.

Eduardo e sua equipe têm demonstrado, desde os primeiros dias, a incapacidade de diagnosticar as razões dos problemas de segurança no Estado, fundamentando assim suas ações em concepções ora românticas, ora anacrônicas, mas, sempre desconectadas das necessidades efetivas da população.

E desta feita, demonstram-se também arrogantes, quando viram as costas para um material de pesquisa jornalística que expõe dados e fatos tão ricos e concretos que deveriam ser capazes de alimentar uma verdadeira (e necessária) revolução nas políticas de segurança pública em Pernambuco.

Impotentes quanto à obtusa postura do Governo, resta-nos celebrar a argúcia jornalística que abandona o lugar comum e sai da redação rumo à vida real, expondo fatos, causas e conseqüências dos nossos problemas históricos e sociais, mesmo que esta argúcia não seja, ainda e lamentavelmente, objeto de transformações sociais.

1 Comentários:

Blogger Denilson disse...

A quem apreciou o artigo, recomendo ler também "O Silêncio dos Notáveis", para uma visão de como se articulam as omissões de autoridades e intelectuais frente aos graves problemas de nosso estado.
Considero os dois artigos como faces de uma moeda. Ou seria de um daqueles sólidos regulares que se aprende na geometria, tetraedro, hexaedro, octaedro, dodecaedro, icosaedro... algum irregular?
É multifacetada a realidade. Mas se dela não se extrair um todo minimamente inteligível, em que suas faces se integrem, talvez ela torne-se um monstro amorfo a nos dragar.
Parabéns pela análise.

Um abraço,

Denilson

7 de julho de 2007 às 08:27  

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