quarta-feira, 13 de junho de 2007

O SILÊNCIO DOS NOTÁVEIS

Basta uma foliada nos principais jornais pernambucanos, ou uma rápida percorrida pelas páginas dos blogueiros locais para se constatar a completa indiferença da intelectualidade do Estado sobre os problemas vividos pela população; o que nos faz refletir: a quem serve a “inteligência” pernambucana?

Pernambuco tem, por exemplo, um dos maiores e melhores pólos de medicina do Brasil. Mas, também tem uma das piores redes de atendimento público de saúde do país. Fico pensando: os médicos e demais profissionais de saúde, que trabalham num dos melhores pólos do Brasil, trabalham lá e onde? Na Bélgica? Ou lá e no Hospital da Restauração?

A questão não é apenas da desigualdade social – e esta já seria relevante – mas, de compromisso social. Isto é, parece estranho que profissionais que vivem realidades laborais tão adversas não se espantem com os disparates encontrados na inevitável comparação entre essas duas realidades. Mais estranho ainda é, ao serem encontrados tais disparates, estes não ultrapassem a simples esfera do confrangimento.

Pois, é o que parece. Ao menos se tomarmos como referência os veículos da imprensa local, uma vez que neles são raras, raríssimas as linhas encontradas nas quais os grandes e famosos especialistas médicos pernambucanos discorram sobre o combalido estado da nossa saúde pública.

Não é possível que o renomado e premiado cardiologista chefe da melhor equipe de um dos maiores pólos médicos do país não tenha nenhuma experiência a relatar, visando à melhoria do atendimento no Hospital Osvaldo Cruz, por exemplo. Pois, se tem, guarda para si ou para os simpósios de medicina, uma vez que não a divide com a sociedade, na forma de publicação jornalística.

O exemplo dado acima pode ser reproduzido nas diversas áreas da intelectualidade pernambucana, afinal, Pernambuco tem o Porto Digital, centro de referência em informática na América Latina e, em contraste, um péssimo índice de inclusão digital (em pesquisa realizada em 2005, o IBGE constatou que dos quase 8 milhões de habitantes do Estado, 5.915.419 não utilizavam a internet). E também não vemos nenhum dos nossos aspirantes a “Bill Gates” debatendo publicamente tal problema... propondo soluções... apontando caminhos.

Assistimos por agora uma situação verdadeiramente caótica para a Educação pernambucana. As redes Publica Estadual, Municipal do Recife e Privada que estão simultaneamente em greve, vem recebendo o reforço das redes municipais de educação de Olinda e Jaboatão. O resultado: aproximadamente um milhão de alunos fora da sala de aula, por tempo indeterminado.

Mas, Pernambuco tem também grandes e renomados educadores e administradores públicos. Com o que estarão eles tão ocupados que um movimento socialmente assaz incômodo como esta greve na educação lhes passa, pelo visto, desapercebido? Eles não têm nada a propor? A comentar? Para que caminhos levam suas pesquisas que os deixam tão longe da vida e dos problemas cotidianos do nosso povo?

Esta semana a Controladoria Geral da União elogiou a imprensa pernambucana por ter se interessado em divulgar o resultado das investigações daquele órgão que culminaram na denúncia de desvio e mau uso das verbas federais destinadas ao sistema penitenciário local. Mas, até neste caso o silêncio dos nossos intelectuais foi, invariavelmente, ouvido.

A “inteligência” pernambucana não se atém nem mesmo aos casos mais evidentes e comprovados da corrupção doméstica. Fiel a um estilo anacronicamente provinciano os “notáveis” de Pernambuco podem até comentar e debater entre si a corrupção da Capital, os romances do senador, os escândalos da família presidencial, ou até as intrigas internacionais entre a Casa Branca e seus adversários – assunto, inclusive, de sua preferência, pois, quanto mais internacionalizado o debate, mais interessados eles ficam – desde que não tenham que olhar para a sujeira debaixo do próprio tapete; esta, simplesmente não lhes interessa.

Salvo raras exceções como são os casos de Michel Zaidan e os artigos que além do merecido reconhecimento lhe rederam alguns desnecessários processos judiciais, Walteir Silva e seu programa na Rádio Universitária AM vinculado ao Núcleo de Estudos Brasil-África, Ângelo Monteiro e sua eterna e sempre bem-vinda “Lavação da Burra” e mais meia dúzia de casos isolados, os intelectuais pernambucanos comportam-se como se pesquisassem de costas para o Estado.

Tratam os problemas do Estado como se fosse algo entre o povo e os políticos; um assunto que não lhes pertence, visto não serem políticos e não se sentirem “povo”. Dessa indiferença, tiram vantagem os políticos, que sempre desqualificam todas as críticas a eles dirigidas como “estratagemas da oposição”. E perde o povo, sujeito a uma política pública inculta e improvisada, sem, entretanto, ter disponível um contraponto técnico que se apresente como opção.

2 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Primeiramente gostaria de parabeniza-lo pelo blog, pois, trata-se de um meio de comunicação bastante interessante, pela abordagem complexa que comenta os assuntos da nossa atualidade, deixando em cada leitor (a) uma mensagem de reflexão. O artigo O SILÊNCIO DOS NOTÁVEIS, em especial foi o que mais gostei, acredito que todos saibam disso, mas, não nessa complexidade.

15 de junho de 2007 às 05:37  
Blogger Denilson disse...

Breno,

Que artigo! Rapaz, esse artigo é extremamente instigante. E até me fez perguntar (a mim mesmo): o que eu estou fazendo aqui que não me pronunciei? Menos pela minha notabilidade (inexistente) e mais pela minha necessidade de intervenção no mundo (existente e incômoda).
O fato é que Gramsci responde um pouco a isso, apontando os porquês dessa alienação subserviente da intelectualidade como um conjunto.
Ainda mais quando se vive uma pluralidade que de democrática passou a ser quase estúpida: é tão estonteante a velocidade e o volume de informações e debates que, ao final, termina-se como se começou: sem aprofundar nem debater seriamente nada, quando se trata de grandes meios de comunicação.
Ainda que os temas sejam abordados, já sabemos o formato e a não-conseqüência (que é sumamente diferente da "inconseqüência") deles.
Mas temos todos, todo o tempo, que lutar contra isso.
Acho até que "O Silêncio dos Notáveis" é somente uma face da moeda, e "A argúcia jornalística e a segurança pública" revela a outra face.
Parabéns pelo artigo. Aliás, pelos dois.
Um abraço,

Denilson Laranjeira

7 de julho de 2007 às 08:20  

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