terça-feira, 31 de julho de 2007

“Os tempos, finalmente, mudaram...”




Entender a História, filosoficamente, não é uma tarefa muito fácil. Fato histórico, para a filosofia, só ocorre quando “o espírito” manifesta uma inovação capaz de impor-se enquanto cultura. Não disse que não era muito fácil? Vou tentar decodificar do “filosofês”:

A Natureza não produz história. Então, se uma montanha desmoronar por causa de um terremoto, tal fato, por mais desastroso que venha a ser, não representa, de maneira alguma, um fato histórico. Antes, um fenômeno natural. Para ser fato histórico tem que ser provocado pelo ser humano no manifestar de sua atividade cultural (e não, natural); e tal manifestação tem, necessariamente, que impor-se como CULTURA; isto é, repetir-se como atividade social.

A rigor, um fato histórico só acontece uma única vez... logo em seguida ele é replicado e, quando isso ocorre, não é mais fato histórico, mas, cultura. Por isso Hegel, que definiu “fato histórico” proclamou que “a história só ocorre na Europa”, que era onde os fatos históricos aconteciam primordialmente, impondo uma cultura mundial a partir da repetição daqueles pelo “resto” do mundo. Por isso, também, Marx, que era muitíssimo atento à filosofia hegeliana, declarou que “a história só se repete como farsa”. Porque, ao repetir-se, não é mais História, mas, CULTURA.

O fato histórico é tão importante que determina, inclusive, a contagem do tempo. Por exemplo, a Idade Moderna começa com a Revolução Francesa – fato histórico que determinou o novo modelo político e social para a humanidade.

Eric Hobsbawm, historiador e filósofo da história (vivíssimo até hoje, mesmo após o meu amigo Denílson Laranjeira tentar exterminá-lo a mais ou menos dois anos atrás), por exemplo, propõe que o século XX não tenha todas as décadas "convencionais" a um século, mas seja compreendido entre 1917 (Ano da Revolução Soviética) e 1991, com a queda do Muro de Berlin (e dos regimes políticos do Leste Europeu); ou seja, para ele um século não se mediria em anos fixos mas, no intervalo entre dois fatos históricos...

Eu sei, eu sei, ta muito “acadêmico”, né? Tenha paciência! Vou chegar ao assunto, mas antes, era preciso essa importantíssima informação filosófica sobre o que é “fato histórico” e qual a sua importância. Afinal, onde você encontraria uma explicação tão “arrumadinha” assim sobre um assunto tão complexo? Pense bem, “arrodeei” (sabia que essa é uma expressão genuinamente pernambucana?), “arrodeei” um pouquinho, mas, você informou-se sobre “fato histórico”: saiu na vantagem... mas, vamos lá...

Escrevi um livro (Dias de Luta! Grafcop. Recife. 2005. 120p. FOTO acima) com a intenção de alertar aos sindicalistas e trabalhadores em geral que as formas de luta da classe trabalhadora tinham se estagnado no início do século passado e que, por isso, a “burguesia” (no sentido marxista da expressão) já houvera, há tempos, desenvolvido antídotos contra as formas de reivindicação dos trabalhadores, anulando-as jurídica e politicamente.

Sob uma influência reconhecidamente hegeliana, a qual pressupõe que “a coruja de Minerva só alça vôo ao entardecer”, ou seja, que a filosofia só reflete e observa fenômenos que já estão em ocorrência; e isto quer dizer: não faz previsões, mas, analisa tendências; prenunciava eu na obra citada que a greve dos Agentes Penitenciários, vitoriosa àquela época, anunciava uma nova forma de luta.

Depois disso, no final do ano passado, os Controladores de Vôo e sua “operação padrão” e, por agora, os Professores e, principalmente, Médicos pernambucanos, confirmam que, se depender de considerarmos a forma de mobilização do TRABALHO contra o CAPITAL como indicador de mobilidade social (como queria Marx, que declarava que a dialética entre Capital e Trabalho seria o motor da história) podemos dizer que, sob um ponto de vista “Hobsbawmriano” (por favor, inventei esta expressão agora; não repitam por aí!), OS TEMPOS FINALMENTE MUDARAM!

O movimento dos Controladores de Vôo foi algo tão inesperado para o “Capital” que mesmo um Governo de ex-sindicalistas não soube enfrentar! E, por isso mesmo, até hoje ficou sem resposta, demonstrando que não há ainda uma formatação definitiva para a conclusão do embate entre Capital e Trabalho sob esses novos modos de ação dos trabalhadores. De certo, no caso dos Controladores de Vôo, é que seu movimento conseguiu o que nem toda a podridão da corrupção exposta em “mensalões”, “cuecões”, “vampiros”, “sanguessugas” e “dossiês” haviam conseguido: desestabilizar o Governo Lula(lá)!

Em Pernambuco, Professores em greve a mais de 50 dias (maior greve de professores da década) rejeitam proposta de reajuste salarial diferenciado do Governo e, apesar do corte do ponto e da ameaça de demissões, EXIGEM QUE SE CUMPRA A LEI e que se pratique um piso salarial de acordo com o Salário Mínimo vigente. Fato que desarticula qualquer discurso político do Governo, visto que não há discurso governamental (ou patronal) que se sustente fora da “legalidade” – é a “legalidade burguesa” usada como arma contra a própria burguesia!

Mas, vem dos Médicos o exemplo mais inusitado: seguindo exatamente uma lógica que usa os recursos da legalidade burguesa contra a própria burguesia, os médicos se quer entraram em greve... eles, simplesmente PEDEM DEMISSÃO COLETIVA!

A cada semana uma categoria especializada de médicos pede demissão coletivamente. Primeiro foram os traumatologistas, depois os neuro-cirurgiões, agora os cirurgiões-gerais...

A estratégia não apenas nocauteou o Governo, como também imobilizou todos aqueles que são “contra as greves”, uma vez que esses declaravam de forma arrogante: “se não quer trabalhar; peça demissão, mas, fazer greve não!” Pois bem, os médicos pediram demissão e criaram o maior problema político que qualquer governo já viu, aqui ou em outra administração burguesa qualquer...

Parece que formas “não-convencionais” de mobilização, protesto e reivindicação, passaram a se incorporar na cultura sindical do país... Parece que o simples fato de cruzar os braços e negar-se a trabalhar, estratégia desenvolvida para enfrentar o Capital no início do século XIX, vem finalmente sendo substituído por novas formas de ação, mais condizentes com o status social contemporâneo. Se isto for realmente confirmado (do que não tenho nenhuma dúvida), estamos assistindo ao surgimento (e consolidação) de um novo “fato histórico”... Desta vez, fora do centro cultural do planeta; na “periferia” do centro econômico, mas que pode se alastrar pelos quatro cantos do mundo, como nova forma de luta contra a exploração e a opressão do homem pelo seu semelhante...

Tal perspectiva é – perdoem o erotismo da expressão – EXCITANTE! Pois, um novo elemento de luta do Trabalho contra o Capital, por si, já delineia novos horizontes (que pareciam estarem escassos), mas, a possibilidade desse “novo elemento” se transformar em “fato histórico” e, ainda, produzido originalmente fora do centro econômico e político mundial, pode ser um grande, belo e retumbante sinal de que há, finalmente, uma centelha de colapso na lógica funcional do SISTEMA vigente... uma “falha na matrix”, ou, como diria o poeta: “o inicio do (tão esperado) fim!”

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