terça-feira, 10 de junho de 2008

Quando o bairrismo e a convivência com a arbitrariedade levam à burrice coletiva.


Eu até que gosto de “ir contra a via, cantar contra a melodia, nadar contra a maré” de vez em quando. Forjado nos “pacificamente” rebeldes anos 80, aprendi que, “de quando em vez”, é importante “nadar contra a corrente: só pra exercitar...” Mas, dessa vez, juro por tudo o que há de mais sagrado que pretendia mesmo ficar em silêncio. Acontece que não me contive...

Hoje, 10.06.2008, a inculta e (penso que por isso mesmo) demagoga Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco realizou uma Sessão Especial para homenagear os Policiais Militares que atuaram no Jogo Náutico e Botafogo da semana passada. Jogo onde a desastrosa intervenção da PM pernambucana provocou, por parte do Botafogo, uma ação no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, contra o Náutico..

Não cabe me deter nos fatos em si; estes, todos conhecemos, pois assistimos repetidamente nos diversos canais de tv. Cabe-nos, um comentário sobre a postura de TODOS os pernambucanos (principalmente da nossa Imprensa) com relação ao ocorrido.

O Estatuto do Torcedor (Lei que regulamenta os meandros do espetáculo futebolístico) é, como gostava de escrever Descartes, “claro e distinto” sobre a responsabilidade do Clube que sedia a partida com relação à segurança: do público, dos árbitros, dos atletas, da Imprensa, enfim, de todos os envolvidos no evento.

Em Pernambuco, porém, os clubes esquivaram-se dessa responsabilidade. Repassaram-na para a Polícia Militar: uma das mais truculentas do país – se bem que acho que Polícia Militar truculenta é um pleonasmo. Jarbas Vasconcelos, quando Governador, criou até uma Lei que permite ao Clube pagar ao Estado pelo uso da PM nos eventos. PM que, muitas e muitas vezes, faz falta nas rebeliões das prisões, no policiamento das festas populares, etc., simplesmente porque está sendo utilizada para cumprir uma obrigação que, POR LEI, é do clube de futebol.

Pois bem; usar a PM tem sido uma ótima opção para os nossos “cartolas”: eles não precisam contratar funcionários para executar as atividades de segurança – o que reduz o custo operacional do clube – e, por outro lado, têm se eximido de qualquer “incômodo” relativo a este item. Por exemplo, a “Torcida Jovem” é humilhada e violentada na entrada dos jogos? Culpa da PM. O torcedor é “atropelado” pelo cavalo na saída do estádio? Culpa da PM. No tumulto da entrada, a senhora levou uma paulada na cabeça? “O clube não tem nada a ver com isso”, mas uma vez, a culpa é da PM. Como, em Pernambuco, um Estado onde se mata, em média, mais de 300 pessoas por mês, estamos tão acostumados com a violência que achamos natural que a polícia (qualquer uma delas) seja arbitrária... Como em Pernambuco assistimos PMs jogarem meninos no rio, assassina-los com “gravatas”, invadir escolas (caso ETEPAM) para humilhar estudantes, espancar garis... Como em Pernambuco não se processa a PM por ela “agir com a força necessária” contra CIDADÃOS... e quando se processa, nossos magistrados – que estão devidamente imunes à truculência da PM graças apenas à infeliz cultura do “você sabe com quem está falando” – têm sido bastante compreensivos com o “estresse policial”... tudo passa em brancas nuvens.

O torcedor pernambucano, invariavelmente, nunca foi tratado como CONSUMIDOR que é do espetáculo em questão. Do mesmo modo, nunca se comportou, também, como tal. Nunca fez um boicote sequer contra qualquer inconveniente ocorrido com freqüência nos nossos precários estádios. Nunca vimos um protesto coletivo por causa dos imundos banheiros entupidos e quebrados; nunca vimos um protesto por causa do valor dos ingressos; nunca vimos um protesto pela falta de infra-estrutura de transporte coletivo, ou até da ausência de vagas de estacionamento para os veículos particulares... Mas, quando se trata do tratamento policial dispensado a eles, não há protestos porque há, de fato, APOIO.

“Alma sebosa tem que se foder!”. Desde que a “alma sebosa” não seja “eu”, é claro.

E se a vítima da “força necessária” for negro e/ou pobre: então, é capaz de haver “coro” – assim como o organizado para a mitológica Geni.

E assim, tudo seguia “na mais perfeita ordem” até o jogo Náutico e Botafogo.

Claro que o jogador do Botafogo perdeu o equilíbrio psicológico. Claro que ele agrediu a torcida do Náutico com “gestos obscenos”. Claro que o chute que ele deu na garrafa plástica que estava no campo atingiu o torcedor do Náutico... Mas, ele foi “preso” por “DESACATO A AUTORIDADE” num espaço onde a ÚNICA E SUPREMA AUTORIDADE É A DO ÁRBITRO!!!

Como explicar à PM pernambucana que há lugares onde ela está para CUMPRIR ORDENS de civis... como no campo, por exemplo, onde quem MANDA é o árbitro? E aos nossos magistrados, de plantão no estádio? Quem os avisará que a autoridade do jogo é o Arbitro?

Fico pensando: que seria do Árbitro se, ao intervir na situação, expulsasse do campo a Aspirante Lúcia Helena?

... Bons tempos aqueles nos quais, sendo tudo mais simples, polícia existia para prender ladrão.

Hoje, os clubes pernambucanos se esquivam de suas responsabilidades e usam a PM para reprimir o torcedor que vai ao estádio PAGAR para ver o espetáculo...

O Botafogo não se dispôs a aceitar a truculência da PM pernambucana e apelou ao STJD que, independente da cultura beligerante dos nossos estádios, tem que aplicar a Lei e responsabilizar o Clube.

Deveríamos aprender com o Botafogo e EXIGIR portais detectores de metal nos estádios e, com eles, o fim da revista corporal. Deveríamos exigir ser tratados como CONSUMIDORES, e não como GADO. A senhora, por exemplo, já se imaginou entrando num shopping, para consumir – gastar o seu suado dinheirinho – aos empurrões de soldados mal-humorados? A senhora voltaria a um shopping desses?

Precisamos APRENDER COM O BOTAFOGO... e enquanto isso não acontece, lastimar uma imprensa tão subserviente, parlamentares tão demagogos, uma polícia tão despreparadamente truculenta, um torcedor tão subserviente, clubes tão descompromissados, cartolas tão ladinos...

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