terça-feira, 7 de setembro de 2010

A CIDADE SEM HORIZONTES


Foto do Pátio do Colégio¹


Estive mais uma vez em São Paulo. Desta vez, após quase dez anos da minha primeira visita. Fiquei ainda mais bem impressionado com a megalópole. Nesta oportunidade, passei mais tempo. Por isso e por estar acompanhado de Gilson, que já conhecia suas ruas e avenidas, pude “fruir” de suas artérias; impressionado com sua arquitetura ousada e, por incrível que me pareceu, decadente.

O novo e o velho se alternam dialeticamente pelas ruas de São Paulo do mesmo modo que se alternam na própria vida! Talvez seja este o motivo pelo qual, como acentuou Caetano Veloso, se identifique “depressa” a cidade com a realidade.


Não há artificialidade (aparente) na sua arquitetura. Em São Paulo tudo é plausível, até o jardim no telhado da prefeitura: com árvores que pendem do teto, sobre um tapete de concreto onde não se registra, sequer, grama! Eis um contraste que não se faz esdrúxulo em São Paulo: árvores penderem do céu quando (ou, porque) na terra o progresso não lhes conferiu espaço...


Prefeitura de São Paulo²


O prédio "bauhaus" se ergue tranquilamente, em sua estrutura de vidro e aço, bem pertinho de um neoclássico casarão. Um sem incomodar ao outro... para o nosso deleite.

Das muitas cidades que visitei, apenas em São Paulo este fenômeno (que penso ser legítimo herdeiro do nosso “antropofagismo”, inaugurado na Semana de Arte Moderna 1922), sugere harmonia. Porque em São Paulo, como escrevi acima, tudo parece plausível: até o piano dependurado de “ponta-cabeça” no rol do Centro Cultural do Banco do Brasil; até os pianos dispostos nas estações de metrô, convidando todos os que por ali passarem a “tocarem-nos” (nos dois sentidos do vocábulo), tendo conhecimento prévio para isto, ou não.

No âmago desse turbilhão sensitivo uma visão/sensação se sobressaiu em meio ao meu “fruir” pela “poesia concreta daquelas esquinas”: NÃO HÁ HORIZONTES EM SÃO PAULO!

Para qualquer lado que se olhe, ora por causa do relevo que apresenta ladeiras (como a Rua da Consolação, por exemplo), ora pela ocupação urbana com prédios, casarões, viadutos, etc., não é possível “ver o horizonte”: aquela linha imaginária e poética onde “o céu toca a terra”.

Eu, que sou nascido no litoral; e mais precisamente, nos morros de uma cidade litorânea, onde, bastava-se subir ao “fim da rua” e olhar para o leste para ver o oceano Atlântico, lá... bem longe.... estranhei deveras quando de minha primeira viagem à Brasília, pois não tinha o oceano, nem o morro, para me ajudar a orientação. Mas, NÃO TER HORIZONTE! Inaceitável!

Foi uma desilusão poética. Como pode São Paulo, onde tudo parece plausível, não ter horizonte? Senti-me como Ícaro, confrangido pelo labirinto de concreto, mas, sem Dédalo para me confeccionar as redentoras asas.

Entretanto, foi o próprio mito de Ícaro e Dédalo que me apontou a solução para esse impasse constrangedor. Não havendo horizontes, a única saída é para cima!

É para onde São Paulo nos obriga a olhar: para cima... Além do novo e do velho, além do moderno e do clássico, além da tradição e da inovação; só há uma possibilidade: acima!

São Paulo nos reacende o sonho de Ícaro. Lá, sentimos a irresistível necessidade de voar... Faz isso porque harmoniza o moderno e o clássico, a ousadia e a tradição, demonstrando que é tudo plausível (até pianos em estações de trem, ou de cabeça para baixo, pendurados no teto): faz isso porque não nos deixa alternativa; não havendo mais horizontes, resta-nos, apenas, conquistar o céu...


Breno Rocha
em 07.09.2010



¹ Foto de Gabriel Rostey, retirada do site da prefeitura de São Paulo, ilustra o "labirinto de concreto" aludido no texto.
² Foto de Grabriel Rostey, da fachada da Prefeitura de São paulo, com destaque para o seu Jardim Suspenso. Fonte: site da Prefeitura de São Paulo.

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