sexta-feira, 16 de julho de 2010

Ética e Filosofia numa partida de futebol


Por Breno Rocha


Africa do Sul, Joanesburgo, 02.07.2010, semifinais da Copa do Mundo, falta um minuto para o fim do segundo tempo da prorrogação: o placar; 1 X 1. Confusão na área após bola cruzada: bate-rebate... cabeçada do atacante Adiyah, a bola segue trajetória certeira para o fundo das redes... eis que, em cima da linha do gol, o macedônio Aristóteles e o florentino Machiavel travam mais uma de suas vorazes batalhas...

Mas... espera aí! Aristóteles e Machiavel nas semifinais da Copa do Mundo de 2010? Isto é possível? Será que enlouqueci de vez?

Um instante dileto leitor, não tiremos, ainda, conclusões apressadas. Voltemos à cena inicial: ...falta um minuto para o fim do segundo tempo da prorrogação: o placar; 1 X 1. Confusão na área após bola cruzada: bate-rebate... cabeçada do atacante Adiyah, a bola segue trajetória certeira para o fundo das redes... eis que, em cima da linha do gol, o também atacante Luis Suárez, da equipe uruguaia, com as duas mãos, impede o que seria a classificação do selecionado da Gana e, consequentemente, a desclassificação do Uruguai da Copa do Mundo de 2010. Assim, certamente, a cena descrita parece mais verossímil.

Entretanto, chamo a sua atenção para a transcendência daquela cena; para o átimo que precede a decisão de Luis Soaréz; para aquela infinitésima fração de segundo na qual o pensamento se comprova muito mais veloz que a luz e vasculha conceitos, mensura conseqüências para, finalmente, decidir.

É nesse momento... nesse átimo que, se observarmos cuidadosamente, encontraremos o embate entre Aristóteles e Machiavel. Este, recomendando à Suárez: “o fim justifica os meios”; impedir o gol com as mãos, a despeito de violar todas as regras preestabelecidas pelo campeonato disputado, proverá a sobrevida da seleção uruguaia. E, o fato de produzir a imediata expulsão do infrator só o transformará em herói, visto que foi capaz de sacrificar-se individualmente em prol da equipe. Afinal, não é exatamente isto que se espera de heróis: que morram sozinhos pela garantia da vida da coletividade?

Aristóteles, por sua vez, filosofa: “toda ação e toda escolha visam a um bem qualquer”, por isto, sempre que decidimos, decidimos visando o bem. Entretanto, nem sempre o que julgamos ser “bem” para nós, se afigura assim para os outros. Sentencia, então, o filósofo grego de primeira grandeza: não é a finalidade que justifica a decisão, mas a JUSTIÇA. Apenas a justiça pode balizar entre o que representará, neste caso, o “bem” para a seleção uruguaia, o “bem”’ para a seleção de Gana e “o sumo bem”.

Suárez, então, vive (e representa) um problema ético: um dilema entre a consecução do objetivo de sua equipe e a justiça; entre o “bem” e o “justo”.

Note, leitora sagaz, que o momento existencial vivido pelo atacante uruguaio é, em tudo, diferente do vivido pelo craque Maradona na final da Copa de 1986, do vivido por Thierry Henry, atacante francês, nas eliminatórias da Copa de 2010, ou do vivido por Luis Fabiano, contra a Costa do Marfim.

Nos casos anteriores, há uma revelada (ou seria, desvelada?) intenção de ludibriar o árbitro. O recurso fraudulento é, também, dissimulado. Maquiavel pode até ser utilizado como argumento retórico para justificá-los, entretanto, em momento algum se sugere a presença da ponderação aristotélica... e, é esta possibilidade de ponderação que trás dramaticidade ao momento existencial de Suárez.

Suaréz não pensa em burlar ninguém. Decide honestamente por ser maquiavélico. Arremete com as mãos (as duas!) em direção à bola com a dramaticidade de um herói homérico: e como herói, se oferece ao sacrifício individual para a salvação de sua equipe... Maquiavel vence Aristóteles!

O “resultado” prevalece em detrimento do “desempenho” e todo o ideal desportivo cai por terra transformando o conceito de “fair-play” em apenas mais um anglicismo de efeito estético.

Haja vista o tratamento social dispensado ao “atacante-goleiro” Suárez, VENCER ainda é mais importante do que COMPETIR e lealdade, um tratamento dispensado apenas aos pares... e quando conveniente: quando não prejudique as metas e resultados.

Com ares de “não diga que eu não avisei”, Maquiavel se retira de campo exibindo-se, com a arrogância dos vencedores. Aristóteles (ao menos na imaginação deste reflexivo expectador), pensa em empunhar a “lanterna de Diógenes”... É assim que ambos aguardam pela ribalta de um novo confronto.