sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Sobre Ética e Privacidade

Sobre Ética e Privacidade

Breno Rocha

Ultimamente tem ocupado a pauta da imprensa mundial o debate acerca da privacidade das “informações” que circulam pela rede mundial de computadores; inclusive do acesso aos conteúdos dos e-mails que são emitidos por todos; ou quase todos, pois, agora há pouco eu ouvia um debate na rádio, no qual um especialista declarava que “aqueles que têm e-mail pago estão mais protegidos do que os que usam o serviço gratuito” – não é incrível como absolutamente tudo vira oportunidade de se auferir lucro... para alguns?

É também registrável o nível de ingenuidade em que se encontra a imensa maioria da população, pois, crer, de fato, que uma comunicação emitida por via eletrônica seria invulnerável do ponto de vista do sigilo é, na mesma medida, acreditar na candura do caráter (humano), mesmo que todos os ensinamentos (religiosos, ético-filosóficos, políticos, sociológicos, antropológicos, etc.) alertem para o contrário... E, neste sentido, nem é preciso alicerçarmo-nos em Hobbes (“O homem é o lobo do homem”) para evidenciarmos tal constatação, pois, até Rousseau, aquele do “bom selvagem”, ressalta, (“grosso modo”) que: BONS, só quando éramos selvagens, pois, a (vida em) sociedade há muito nos corrompeu. Por outro lado, desde que inventaram a internet que se difunde que tudo o que por ela trafega fica nela registrado para sempre...

O debate, que a propósito apresentava até bem pouco tempo um entendimento quase unilateral acerca da inadequada postura do Governo estadiunidense – postura que parecia ser defendida apenas pelo próprio Governo estadiunidense –, ganhou outro fôlego quando gigantes das operações eletrônicas, como o Google, reconheceram, afirmaram e defenderam que “também valem-se do acesso às informações trocadas nos e-mails de seus usuários para ofertar-lhes produtos e serviços”.

Este debate, finalmente, promoveu para mim uma derivação analítica (com o perdão da sugestão analógica com a Matemática: eu não quis fazer trocadilhos... desta vez!). Suscitou-me uma reflexão acerca da possibilidade concreta da efetivação do conceito de PRIVACIDADE. É, de fato, possível ter PRIVACIDADE? Isto é, fazer algo intimamente, privativamente?

Fiz uma análise parecida, há anos atrás, sobre o conceito de SEGURANÇA. Tal análise encontra-se registrada no primeiro livro que lancei e, nela, concluí que a SEGURANÇA pode apenas ser “pressuposta” ou efetiva no passado, mas, nunca plenamente garantida no futuro nem no presente.

Para expor toda a derivação formal da análise sobre o conceito de SEGURANÇA eu precisei de um capítulo do livro e, é claro, sei que não poderia usar o mesmo “espaço” aqui, neste blog, para fazer a análise que gostaria do conceito de PRIVACIDADE. Portanto, vamos resumi-la ao que nos pareça suficiente:

Toda ação efetivada resultará numa intervenção direta. Quando agimos, mesmo que minimamente, modificamos: o ambiente, as pessoas ou nós mesmos. Esta ideia aparece no aforismo de Heráclito: “o mesmo homem não pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois, da segunda vez não é mais o mesmo homem, nem o mesmo rio”. Uma vez que vivenciou a primeira experiência de banhar-se no rio, o homem modificou-se quanto aos seus conhecimentos e expectativas acerca do banho naquele rio. Estes, ou lhe foram confirmados ou alterados. De uma maneira ou de outra, agora ele é um homem diferente. A ação de, finalmente, entrar e banhar-se no rio, modificou o homem... Mas, também modificou o rio, que já se modifica constantemente devido às forças da correnteza, mas, que teve seu curso (minimamente) alterado pela presença do corpo do homem; que teve seu leito alterado pelo deslocamento do homem; que teve sua fauna e flora alteradas pela presença do homem.

É preciso registrar, nesse instante, que não estamos avaliando a intensidade direta das alterações nem suas repercussões indiretas, mas, suas existências factuais.

Uma vez que agimos, alteramos: o ambiente, as outras pessoas ou nós mesmos... Deste modo, uma vez que agimos, as evidências de nossa ação ficarão registradas: no ambiente, nas outras pessoas ou em nós mesmos... Assim, mesmo em forma de “vestígios”, nossas ações sempre serão “públicas” e, sendo públicas (obviamente) não são privadas. Daí (talvez) a “sabedoria popular” ensinar que “nada é feito em segredo!”

Um minuto, leitor! Tenha mais um pouco de paciência, pois ainda falta analisarmos a PRIVACIDADE do ponto de vista da IDEIA, isto é, quando não agimos; apenas pensamos sobre. (Assim, como em Lulu Santos: “...uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer”).

No mundo das ideias, como diria Platão, nossa investigação fica muito mais difícil: isto porque será (num futuro próximo e num espaço próprio, nos quais esta reflexão se aprofunde) necessário que dividamos as ideias em categorias como: desejo, pensamento, lembrança, saudade, etc. Pois, neste momento, passa-me pela cabeça que cada tipo ideia produzirá um impacto próprio. Entretanto, para a oportunidade resta registrar que, mesmo as ideias “que não têm a menor intenção de acontecer”, isto é, de virar ação; e que, por isto mesmo não produzirão modificações nem em nós mesmos, podem vir a ser reveladas pelo que a Psicanálise freudiana denomina de “Ato Falho”. Assim, mesmo que não tenhamos ainda uma conclusão sobre a completa PRIVACIDADE das ideias, a possibilidade do “Ato Falho”, per si, nos indica o caminho de que, mesmo essas podem não ser, em tudo e completamente, intimas.

Isto visto, não devo reorientar minha existência em prol de uma postura paranoica, mas reorientá-la num sentido ético, qual seja: agir compreendendo que todas as minhas ações, mesmo as que julgo mais intimas, terão repercussões  no ambiente, nos outros e/ou em mim mesmo.

Quanto às ideias, conquanto não tenhamos efetivado satisfatoriamente nossa investigação, não é estranho a todos que é sempre melhor termos pensamentos bons!


Finalmente, estas reflexões não se destinam a isentar, legitimar ou aceitar que o Governo estadiunidense, o Google ou qualquer outro provedor de e-mails utilizem-se (da troca) de nossas informações pessoais para quaisquer fins não previamente autorizados por nós. Eu também me declaro contra tal prática. Mas, talvez as presentes reflexões atenuem a nossa ingenuidade quanto a privacidade na troca de informações eletrônicas... E, principalmente, repercutam-se na nossa postura enquanto ser no mundo.

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