sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Uma Breve reflexão antropológica sobre a rebelião no Aníbal Bruno



“... A cadeia está destruída! O Presídio Aníbal Bruno está completamente destruído... só existe o muro que o cerca!” (Depoimento de um preso pelo celular, em entrevista a uma das inúmeras rádios locais, que cobriam a rebelião do Presídio Aníbal Bruno)


Não é plausível discutir os eventos ocorridos no interior do Presídio Professora Aníbal Bruno sem antes se buscar um referencial em Charles Darwin, Joseph Goebbels e na “Teoria do Espaço Vital”. Sem a compreensão de que a restrição espacial acrescentada à hiper-elevação da densidade demográfica amplifica a sensibilidade humana para fatores como irritabilidade e agressividade e ainda agudiza as disputas interpessoais pelo domínio do território existente, qualquer discussão efetuada na busca de se encontrar os problemas que determinaram a explosão de violência dos quase quatro mil presos daquela unidade prisional pode muito bem não ultrapassar a esfera da mera superficialidade histérica e verborrágica.

Neste sentido, o primeiro e maior problema do Presídio Aníbal Bruno é o próprio Presídio Aníbal Bruno.

Construído, originariamente, para abrigar oitocentos reclusos PROVISÓRIOS (pessoas que aguardam julgamento), o Aníbal Bruno foi inchando e inchando até se transformar no maior presídio em população carcerária da América do Sul e, assim, um espaço projetado para abrigar oitocentos, passou a receber mais de três mil e novecentos presos.

Celas onde deveriam coexistir quatro presos passaram a “ser reformadas” para abrigar vinte, às vezes trinta... e quando não era mais possível fechar a cela, de tanta gente que se amontoava, abria-se a grade e os corpos escorriam pelo piso do pavilhão...

Não é possível se amontoar tantos seres vivos juntos num espaço predeterminadamente reduzido... o resultado, inevitável, será a “convulsão social”. Quer eles sejam homens, ratos, cães ou macacos, finalmente irão encontrar um motivo para digladirem-se; pelas fêmeas, por comida e água, pela liderança do território ou simplesmente pelo “espaço vital”.

A “inteligência penitenciária pernambucana” deveria saber disso... Os inúmeros teóricos que debateram o Pacto Pela Vida, em março deste ano, precisavam conhecer o “A, B, C” dos saberes antropológicos antes de proporem as medidas constantes no referido “pacto”.

Ao contrário, os teóricos, estudiosos, juizes, promotores, militantes dos direitos humanos, parlamentares, voluntários e demais integrantes da elite intelectual pernambucana condenaram, em março, o Aníbal Bruno e todas as demais unidades prisionais superlotadas do Estado a permanecerem nesta condição; afinal, o apregoado programa de segurança estadual promete para 2010 a criação de 5010 vagas nas unidades prisionais pernambucanas quando, no dia em que foi lançado, o próprio Governo apontava, na página eletrônica da Secretaria de Ressocialização, um déficit de 7888 vagas... hoje, este número já ultrapassa oito mil.

Isto quer dizer que nossa sociedade terá que conviver, se depender da política do Governo para as unidades prisionais, com presídios superlotados e suas terríveis conseqüências (advindas da equação “restrição espacial mais hiper-concentração demográfica).

Se esboçarmos uma perspectiva antropológica sobre as hiper-lotadas unidades prisionais pernambucanas, perceberemos que qualquer fator secundário que possa aparecer como “estopim” de rebeliões são, exatamente, “f a t o r e s s e c u n d á r i o s”.

É obvio que tais fatores precisam ser enfrentados e, na medida do possível, erradicados. Entretanto, se o problema original não for combatido estaremos, como preferem dizer os metafóricos, “tratando da febre enquanto a pneumonia se agrava”.

Deste modo, a população pernambucana precisa saber que NÃO SE PRATICA MAIS O PENITENCIARISMO DE MEGA-PRISÕES. O Governo Federal, por exemplo, desde o final do século passado, não financia mais a construção de prisões destinadas a comportar acima de seiscentos presos. Isto porque, entre outros funestos exemplos, a catástrofe do Carandiru (SP) deixou bem claro os efeitos práticos da repercussão da “teoria do espaço vital” em unidades prisionais.

Porém, em nosso Estado, ao invés de se aprender com a lição do trágico final de semana que passou e discutir-se a fragmentação do Aníbal Bruno em dez Unidades Prisionais de pequeno porte, anunciar-se um Concurso Público emergencial para mobiliar de servidores capacitados essas novas unidades e, finalmente, ter a rebelião passada como marco inicial para um novo penitenciarismo pernambucano, lê-se nos veículos de Imprensa o breve início da reconstrução do equívoco prisional... É como se o Dr. Frankenstein reconstruísse o monstro finalmente destruído, ao invés de sossegar com sua destruição.

...E, enquanto Frankenstein reconstrói o seu monstro, a inculta intelectualidade penitenciarista pernambucana balbucia explicações superficiais, procurando entre as vítimas o culpado pela tragédia (quase) semanalmente anunciada... tentando esconder entre os escombros a sua própria parcela de culpa ao concorrer, entre equívocos e omissões, para que a situação prisional no Estado chegasse onde chegou.

“...O Presídio Aníbal Bruno está completamente destruído...” declarava o preso quase sem acreditar que todos eles, os quatro mil encarcerados do Aníbal Bruno, finalmente fizeram o que nós, os outros Pernambucanos, deveríamos exigir que o Governo já tivesse feito a muito tempo: destroçar o gigantesco monstro do Curado.