A imprensa, os seus “articulistas” e a dinâmica social.
A imprensa, os seus “articulistas”
e a dinâmica social.
Paulo Francis
(1930 - 1997)
Breno Rocha
Recife, inverno de 2012.
Li uma coluna jornalística agora
há pouco, escrita por um importante articulista muito citado, inclusive, em
trabalhos acadêmicos (o qual não quero citar o nome, pois não me interessa dar
destaque à pessoa, mas, refletir sobre o assunto). Nesta coluna, escreveu o
jornalista sobre as recentes greves no setor público federal: "greve
remunerada não é greve; é férias!" (a pontuação é minha).
É muito "interessante"
a postura desses "megapensadores" da sociedade contemporânea sobre um
assunto do qual eles NADA entendem! A população em geral - que constantemente
se deixa influenciar pelas opiniões desses "articulistas" - não tem
ideia de como eles (os “articulistas”) estão afastados dos problemas sociais
cotidianos e de quanto estão muito mais aproximados dos padrões dos patrões do
que dos empregados; e, finalmente, de como esta realidade interfere diretamente
na formação de suas “opiniões”.
À Imprensa contemporânea sobrou a
tarefa de nos impor a pauta diária: desde o primeiro jornal da manhã –
independente do veículo (impresso, rádio, TV, internet...) – até último, na
madrugada, os editores estão escolhendo o que é relevante para nós sabermos
e/ou pensarmos a respeito. De maneira mais ousada e RADICAL, cabe, assim, aos “articulistas”
influenciar “o que pensamos” sobre que já foi definido como pauta (o que pensarmos
sobre o que pensamos).
Acrescente a este fenômeno uma
cultura arquitetada na estética do CERTO (bom, belo) e ERRADO (ruim, feio) e
teremos a verdadeira materialização daquilo que George Orwell (1903 – 1950)
denunciou como “Ministério do Pensamento”: materialização esta que funciona da
seguinte maneira; primeiro os órgãos de imprensa definem a Pauta, isto é, para “o
que” devemos direcionar a atenção; segundo, os “articulistas” opinam sobre esta
Pauta indicando, a partir da sua “autoridade no assunto”, os “acertos” e “erros”
identificados na análise daqueles assuntos da Pauta; terceiro, nós, uma vez que
já temos “no que” pensar (a Pauta) e “como pensar” (o que é “certo” ou “errado”
naquela Pauta), começamos a nos manifestar e nos comportar sobre tais assuntos,
obviamente, da forma “certa”.
Desta maneira, encontramos nos ônibus
lotados as pessoas discutindo a importância da “Reforma Tributária” e de suas
repercussões positivas para a economia; ou “reconhecendo” a incapacidade
financeira do país em sustentar um modelo previdenciário “tão ultrapassado”...
Todos, invariavelmente, concordando com as conclusões emanadas pelos principais
“articulistas” das principais empresas de comunicação jornalística.
O que a maioria das pessoas não
sabe... ou, sabe mas não reflete... ou, reflete mas não externa porque têm medo
de errar – como puro reflexo do nosso modelo educacional – é que tais “articulistas”
são, invariavelmente, milionários... ou, caminhando nessa direção.
Quando um desses “articulistas”,
por exemplo, muda de emissora de televisão, ficamos todos impressionados com o
salário que ele passará a receber! Ficamos impressionados mas, nem sempre,
associamos essas remunerações às opiniões que eles emitem cotidianamente.
Os colunistas dos jornais e
revistas ganham em média – e esta média vai variar de acordo com o prestígio
que ele acumule –, R$ 7 mil por veículo no qual aquela coluna (diária ou
semanal) é publicada. Se “fulana”, por exemplo, publica a mesmíssima coluna num
jornal de São Paulo, de Recife e de Salvador, por exemplo, são R$ 7 mil por
jornal; por dia ou semana, a depender de quantas vezes “Fulana” publica.
Uma vez, um amigo meu que é
jornalista, conversando sobre as frustrações da profissão, me disse que a
primeira coisa que ele ouviu do editor, quando iniciou o estágio curricular,
foi: “quem pensa em escrever o que quer, funda seu próprio jornal”. E, na vida
real, é mesmo assim: a revista “Tal” é financiada (pelos seus patrocinadores)
para questionar sistematicamente o Governo; pois seus jornalistas produzirão
matérias denunciativas, focadas nos aspectos menos fortes da gestão pública. A
revista “Qual”, entretanto, é financiada para reforçar a ação governamental?
Então a lógica é “rogorozíssimamente” inversa. Até as revistas de “fofoca”
funcionam a partir desta lógica.
O único mote que une todos os vieses
do jornalismo formal está relacionado aos assuntos que se refiram diretamente à
manutenção do sistema: aí, todos os focos, todas as opiniões seguirão o mesmo
fluxo. Foi assim com a reforma da previdência; é assim com a reforma tributária;
é assim com a reforma agrária; é assim, todo ano, com o valor do salário
mínimo... Todas as opiniões são concordantes; ou, discordantes “ma non troppo!”
Voltemos ao nosso próprio “mote”:
o que entende um “articulista” sobre greves? Quando foi, na história do nosso
país (ou mesmo mundial) a última greve de jornalistas?
O desconto ou não dos dias
parados fará parte do acordo que porá fim à greve e, por isso mesmo, dependerá
diretamente da correlação de forças que se estabeleceu, de modo que a parte que
estiver mais fragilizada (patrão ou trabalhador) no final do movimento arcará
com o ônus do próprio movimento. Entrar numa greve, ou encaminhá-la, aceitando antecipadamente
pagar o seu ônus é, de fato e de direito, assumir a postura de derrotado – para
qualquer dos lados envolvidos. Mas, como poderia saber disso o “articulista”? O
que entende ele de greves? Quando participou da última? Quando viveu a
necessidade de por em risco seu emprego e seu sustento para, paradoxalmente, defender
seu emprego e seu sustento? Ou, pelo contrário, não quer o “articulista”, exata
e conscientemente, sugerir o enfraquecimento dos trabalhadores em greve,
inferindo que estes deveriam ter, a priori, os dias parados descontados, como
forma de defender seu próprio (dele, “articulista”) emprego e seu próprio sustento?
Por que escolhi a foto de Paulo
Francis (1930 – 1997) para ilustrar esta reflexão? Porque, enquanto escrevia,
me ocorreu que Francis foi uma das exceções à regra: isto é, um articulista que
conseguiu sobreviver escrevendo em consonância com suas convicções,
independente do quanto politicamente incorretas, controversas ou polêmicas
elas fossem. Era lido, amado e/ou odiado por ter a coragem de expor suas ideias,
não por seguir o fluxo... E assim, ao que parece, sobreviveu e sustentou-se.